O LAMENTO DA IARA
Diaporã é a mais bela da tribo. Os
lindos cabelos lisos e negros chegam-lhe à cintura e os olhos castanhos realçam
a beleza do rosto atraente. Por isso, nas noites de lua cheia, ela se destaca
entre as demais índias da tribo na dança do ritual sagrado quando as mais
jovens oferecem toda a sua beleza a Jacy (a lua) recebendo em troca as bênçãos
do céu.
As mulheres da tribo, da idade
aproximada à de Diaporã, usam como roupa apenas uma espécie de cinto chamada
ulurei, feito da casca de certa árvore. A presença dele significa que a mulher
não está disponível sexualmente, a aproximação do homem só acontece quando ela é
autorizada a retirá-lo.
Apesar disso, Diaporã amava Uambú, um
jovem índio que estava sendo treinado para a caça. Namoravam escondidos quando
ele voltava da mata e ela ia se banhar no rio, para não serem descobertos pelos
outros índios da aldeia, pois tinham muito medo de serem apanhados
desrespeitando a maldição do cinto. Para sua tristeza, ela estava prometida a
Cauã, jovem guerreiro, filho do cacique. Iriam se casar logo após os
respectivos rituais que os considerariam aptos a procriarem.
Diaporã costumava banhar-se no rio
sempre ao entardecer e, então, estendia toda a sua beleza sobre as pedras
mornas da enseada. A imagem da linda índia descansando sobre as pedras era
muito sedutora e mística. Tudo que era belo na natureza parecia se concentrar
ao seu redor: os pássaros cantavam sem cessar, as borboletas e as painas
esvoaçavam com o vento da tarde que espalhava o agradável perfume das flores e
o sol brincava de desenhar reflexos de luz nas águas do rio que, nessa altura,
não tinham pressa e ficavam por ali passeando entre as pedras produzindo um
agradável som de água corrente em pequenas quedas.
Passaram, então, a compará-la a Iara,
a mãe das águas, até porque ela se assemelha à sereia descrita na lenda, que
também costumava banhar-se nos rios ao anoitecer cantando uma melodia
encantadora e envolvente. Os homens que a viam não conseguiam resistir à beleza
e, seduzidos, impulsionados pelo desejo, pulavam nas águas, nos braços de Iara,
e eram levados para o fundo do rio, de onde não saiam vivos.
Diaporã estava se tornando cada vez
mais bonita, passou a ser desejada pela maioria dos homens da tribo e a
despertar ciúmes nas mulheres. A única pessoa em quem ela confiava e fazia
conhecer os seus segredos e anseios era uma indiazinha chamada Jacitim.
A trama do acaso, reforçada pela
beleza de Diaporã e a comparação que lhe faziam a Iara, vieram lhe entristecer
o coração e a complicar a sua vida, pois que, coincidentemente, Uambú, um dia,
amanheceu morto na enseada, ao pé da pedra preferida de Diaporã para se estender
após o banho. Outras mortes de índios jovens se seguiram sempre nas mesmas
circunstâncias: todos os jovens índios que se deixaram levar pelo “canto da
Iara” cobiçavam a bela índia, tinham sido vistos antes entristecidos ou tinham
comentado a sua paixão, infelizes por não poder ter retribuído o seu amor -porque
pela lei da tribo ela pertence a Cauã -, eram encontrados mortos nas praias ou
boiando no rio, com o corpo envolto em algas. Embora todos desconfiem, também,
que o seu coração não pertence a mais ninguém, está junto de Uambú.
Então, toda aquela aura de amor,
proteção e devoção que envolvia a bela Diaporã, transformou-se em medo e
desconfiança, atiçados pelo que dizia a lenda. Já se cogitava de expulsá-la da
aldeia, devolvendo-a para o fundo do rio, de onde teria vindo e nunca deveria
ter saído, para sofrimento dos pais e da indiazinha. Nessas circunstâncias, os
índios que atingem a idade de ter uma mulher fogem de qualquer contato com a
bela Diaporã, temendo o mesmo destino que os outros tiveram.
Cauã, que, apesar da garantia de
tê-la como esposa, também pelo seu amor era capaz de tudo, fazendo valer a
condição que a tribo lhe permitia, para impedir que a sua prometida fosse
expulsa da aldeia e, para afastar os maus espíritos que rondavam a união que
tanto desejava, casou-se imediatamente com Diaporã.
As mortes deixaram de acontecer e a
lenda de Iara começou a ser esquecida. O seu canto não foi mais ouvido e toda a
magia voltou àquele lugar. Diaporã, assim, pôde voltar a banhar-se nas águas, a
estender-se sobre as pedras, como antes fazia, e entregar todo o seu amor a
Uambú. Agora nada mais impede.
linda a iara gata
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