Eu seguia tranquilo por estrada, ouvindo uma musiquinha gostosa chamada
beijinho doce, com um grupo Barra de Saia, que eu gosto muito, quando, logo
depois de uma curva, uma mulher com um lenço branco na cabeça; quando avistou o
meu caminhão, saiu correndo para o meio da estrada pedindo para eu parar.
Não tive outra
alternativa, encostei uns dez metros à frente dela, levantando poeira no
acostamento.
- A senhora ta maluca, dona? Quase lhe atropelei!
- Desculpe, moço. A gente precisa de ajuda. A minha filha tá buchuda e já
tá quase nascendo. Tava tudo preparadinho: a bacia com água fervida, os paninhos,
o iodo, o álcool, a tesoura... Só
esperando a hora. Quando ela disse que tava chegando, eu fui correndo buscar a
parteira, mas ela não tava lá, tinha ido pra cidade ver uma filha que não tava
passando bem. O jeito que encontrei foi correr pra estrada procurar por
socorro. O primeiro carro que passou foi o caminhão do senhor. Ajuda a gente
pelo amor de Deus, senão a criança vai sair aqui na rua e não sei como vai ser.
- Tá bem dona! Entrem logo aí e vamos procurar ajuda. Tomara que dê tempo
pra chegar ao posto médico.
Então, elas entraram no caminhão, a mãe e a filha em processo de parto. Deveria
ter uns vinte e cinco anos. Saí com o caminhão o mais depressa que pude.
- Meu nome é Rui
Barbosa, mas podem me chamar de Rui – eu falei.
- O meu nome é Rosalina e o dela, da minha filha, é Marluce – disse a
mãe. – Eu tinha um conhecido que também se chamava Garbosa como o senhor, mas
ele já morreu, Deus o tenha.
- Mas o meu nome não é Garbosa, é Barbosa. Meu pai resolveu homenagear a um homem célebre da história do Brasil, mas
a senhora não deve ter ouvido falar nele.
- Ah, Desculpe! Eu entendi o senhor dizer Garbosa. Esse seu Barbosa eu
não conheci.
- É o primeiro
neto da senhora? – Perguntei.
- Não, só dela
eu já tenho mais o Mauro e o Marquinho. No total são oito.
-Tá certo, sim! Aqui no interior não tem muita diversão mesmo, não é?
Além do mais estamos precisando de braços pra trabalhar no campo. Tem muita
gente indo pra cidade morar em favela e ser operário - eu falei.
A moça começou a
gemer e a falar que não ia dar tempo:
- Mãe, tô sentido muito molhado aqui em baixo! - Começou a fazer cara de
sofrimento e pôs a mão na direção da saída de bebês.
- Deixa eu ver - disse a mãe, levantando um pouquinho o vestido da moça.
- Nossa mãe do céu! Está muito molhada, acho que estourou a bolsa!
- Ai, Eu não tô aguentando! – Disse a filha – Meu Deus, vai sair aqui
mesmo!
Não deu para eu continuar. Tive que parar o caminhão e encostei-o na
beirada da estrada, tomando o cuidado de estacionar ao abrigo de uma árvore bem
grande, que proporcionava uma boa área de sombra e falei:
- Se não tem jeito e ela tá querendo sair, vamos deixar que venha ao
mundo. Vamos lá! Mãos à obra! A senhora já é avó deve saber lidar com isso, não
é dona Rosalina?
- Eu não sei disso não moço. Os meus foram seis. Os dela e os da Marta eu
só limpei e dei o banhinho, mas não aparei porque não sei e tenho medo.
- É dona, mas esse a senhora vai ter que segurar! Se não sabe, vai ter
que aprender à força – eu disse.
Perguntei à parturiente:
- Você tá sentindo uma pressão em baixo da barriga Marluce? Assim,
contraindo e afrouxando?
- Tô sentindo sim, parece que está forçando pra baixo igual eu senti quando
os outros dois nasceram.
- Então tá na
hora mesmo. Espera aí!
Fui buscar uma garrafa de álcool e algodão que eu sempre trago comigo na maletinha
de primeiros socorros. Aquelas que obrigaram aos motoristas a ter no carro há
alguns anos atrás. Desde aquela época, eu sempre tenho no caminhão, é muito
útil, tem gaze, esparadrapo, até uma tesourinha e iodo. Limpei o banco com
álcool e pedi uma toalha à dona Rosalina para estender e a Marluce poder
deitar. Ela se acomodou e dobrou os joelhos. Nessa altura ela já estava fazendo
força e caretas para segurar o herdeiro que queria sair de qualquer jeito. Como
eu vi que elas não se movimentavam mesmo e acho que era por vergonha, eu falei:
- Moça, você vai ter que tirar a calcinha pra criança poder passar. Pode
deixar que eu não vou ficar olhando, até porque nessa situação eu nem vou
pensar em nada que possa causar constrangimento pra ninguém. Em situações como
esta, a gente tem que deixar essas coisas de lado senão complica tudo.
Então, ela
começou a tirar a calcinha sem falar nada. A mãe ajudou a passar a peça pelos
joelhos e pés. A dona Rosalina estava tão apavorada, que me entregou a calcinha
da filha toda enrodilhada e perguntou para mim:
- E agora? O que
eu faço?
-A senhora não tem que fazer nada. Quem tem que fazer é a futura mamãe. –
Eu disse enquanto jogava a calcinha no painel.
“Que situação, hein! Por isso eu nunca tinha passado, nem filho eu tive.
Como foi acontecer logo comigo!” – Pensei.
- Tá sentindo contração? – Eu perguntei - Se está, faz força pra expulsar
o bebê. A barriga já desceu?
- O que?
- Eu perguntei se a barriga já desceu. Dá pra sentir quando a criança se
encaixa na saída e a parte de cima da barriga murcha. Eu li sobre isso não sei
onde.
- Acho que já tá
é saindo!
- Ai meu Deus, Jesus
Cristo, Nossa Senhora! – Disse a dona Rosalina.
- Deixe-me ver, Marluce. Não fica com vergonha não moça. Se fosse lá no
ambulatório, ia ter mais gente olhando mesmo!
Afastei os joelhos dela e levantei o vestido. Já estava lá a cabecinha
passando pelo portal da vida – legal essa que passou pela minha cabeça: “portal
da vida”. “Tomara que essa criança tenha muita sorte” - Pensei. Passei álcool nas mãos e disse para a dona
Rosalina fazer a mesma coisa.
- Faz força
agora, Marluce! – Eu falei.
Segurei com cuidado a cabecinha da criança e ela veio muito fácil.
Escorregou, de repente, e a aparei com as mãos. Era uma menina. Já veio
provocando confusão e chorando para reclamar como a maioria das mulheres. Sorte
nossa, não deu trabalho nenhum.
- Viu como foi fácil! – Falei, eufórico. Você é uma boa parideira. Saiu
sem muito esforço. Sabe que algumas mulheres correm o risco de ter um bebê até
quando vão ao vaso sanitário, tal a dilatação que alcançam sem perceber? Essa
vai ser manhosa igual à mãe, já saiu chorando a danada!
Então, falei para
a avó limpar o narizinho e a boquinha dela para não engolir ou respirar
resíduos do líquido.
- Agora, tá na hora de cuidar do cordão umbilical. Acho que vai demorar
um pouquinho pra chegar ao ambulatório. A gente vai ter que fazer isso aqui
mesmo – eu falei.
Molhei dois pedaços de barbante no álcool e amarrei duas vezes o cordão. Acendi
um isqueiro e aqueci as duas lâminas da tesourinha - seguro morreu de velho -.
Depois, joguei álcool – é melhor prevenir do que remediar -. Então, eu cortei.
Não sei como eu tive coragem. Nunca imaginei que um dia tivesse que fazer
aquilo e torço para não ter que fazer de novo. É muita responsabilidade. Depois
joguei iodo nas duas pontas, embora eu saiba que a ponta da placenta vai sair
junto com ela, mas fiz sei lá por quê. Naquela hora eu só queria fazer tudo com
o menor risco possível, afinal eu era “marinheiro de primeira viagem”, pois nem
pai fui ainda. Enrolei um pouquinho de gaze e depois disso joguei os utensílios
dentro da caixa de primeiros socorros. Lavei as mãos na biquinha do tonel e
disse para a dona Rosalina fazer o mesmo e se ajeitar no banco com a criança,
que já estava embrulhada numa mantinha. Deixei a Marluce deitada ali mesmo no
banco e parti para o ambulatório, torcendo para que tudo tivesse sido feito
corretamente.
A viagem até o ambulatório foi silenciosa. Por incrível que pareça nem a
menina chorou. Estava aquecidinha no colo da vovó. Chegamos cerca de quarenta
minutos depois. A mãe e a criança foram atendidas e ficou tudo bem. A
enfermeira me perguntou como aconteceu e o que tinha sido feito. Eu contei com
todos os pormenores como aconteceu o parto, quanto à assepsia e aos cuidados
com a criança, excluindo os detalhes referentes ao comportamento da mãe e dá
avó. Falei que eu fiquei muito nervoso. Ela me disse que estava tudo bem com a
criança e com a mãe. Que deu tudo certo e para eu não me preocupar, dando-me
uns tapinhas nas costas.
Então, eu fui tomar um cafezinho na cantina para relaxar e me joguei num
banco, exausto. Pensava como eu tive coragem para fazer aquilo tudo, quando
vieram me chamar dizendo que a Marluce estava chamando o papai.
- Eu não sou o pai! Eu estou nervoso assim, porque tive que fazer um
parto no meio da estrada e eu nunca tinha feito isso antes.
- Mas ela quer
falar contigo. O senhor não é o Rui?
- Eu sou o Rui,
Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui.
Eu segui a enfermeira. A Marluce e a dona Rosalina estavam muito contentes.
A menininha estava mamando e dormindo.
- Obrigada seu Rui! O senhor é um anjo que veio do céu para me ajudar,
foi Deus que botou o senhor no meu caminho – disse a Marluce.
- Que isso dona! Não tinha jeito mesmo! Pra tudo tem a primeira vez né?
No meu caso espero que seja a última.
- O senhor pode ser padrinho da Ritinha. O nome dela vai ser Rita,. Decidi
agora, em sua homenagem. Pensei em um nome de mulher parecido com Rui, mas eu não
conheço muito, Ruía e Ruiva acho que não são nome de gente, então resolvi
chamar de Rita, pelo menos começa igual ao seu.
- Olha Marluce, eu não sou ligado em religião. Posso ser amigo de vocês, mas
nem sei se vou vê-las de novo. Portanto, é melhor vocês escolherem uma pessoa
que esteja mais próximo dela para estar presente. Senão, quando ela crescer,
vai pensar que não tem padrinho. Pode ser que essa seja a última vez que eu
veja vocês... de qualquer forma, muito obrigado pela lembrança. Sejam muito
felizes e que a Ritinha tenha muita sorte na vida. Quando ela crescer, conta
como foi que ela veio ao mundo. No mínimo deve achar interessante ter uma
história diferente pra contar sobre o início da sua vida, a aventura que nós
vivemos não é mesmo? Eu estou indo embora, a estrada me espera. Adeus, e
felicidades pra vocês.
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