terça-feira, 21 de agosto de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - SE PARECE BOM DEMAIS PRA SER VERDADE, É PORQUE REALMENTE NÃO É


CAUSOS DA BOLEIA - SE PARECE BOM DEMAIS PRA SER VERDADE, É PORQUE REALMENTE NÃO É

A gente pega cada tipo nas estradas! Mas é bom, pelo menos serve para distrair durante as longas viagens. É por isso que eu não me incomodo de dar carona. A gente conhece uma diversidade enorme de pessoas, de origem, de cultura, etc.
Eu tenho um amigo que é escritor e está pensando em sentar com ele e contar os meus causos. Quem sabe até publique um livro. Até que não é uma má ideia... Já pensou?!  “Causos da Boleia contados por Rui Barbosa”...
Certa vez eu dei carona para um sujeito que estava com o carro avariado na estrada. Chovia bastante, por isso tínhamos que andar com as janelas quase fechadas. Ele até que era bem apessoado, bem vestido... Mas eu não sei por que ele exalava um cheiro ruim, fedia a suor de maneira insuportável.
Depois de rodar alguns quilômetros - período em que ficamos calados - eu comecei a me sentir mal por causa do cheiro - acho que era da camisa dele. Se eu abrisse a janela entrava muita água da chuva, então eu tinha que mantê-la fechada. Mas com as janelas fechadas o ambiente ficava insuportável.Então eu fiquei com  uma dor de cabeça muito forte acompanhada de ânsia de vômito. Pedi desculpas a ele e disse que tinha que parar num posto de gasolina logo adiante porque não estava me sentindo bem. Parei o carro em baixo de uma cobertura e abri a janela para respirar aliviado. Desci do caminhão, e deixei a chuva cair na minha cabeça caminhando devagar. Entrei na lanchonete e fui pro mictório. Ele ficou no caminhão. Depois eu pedi um cafezinho e me sentei em um banco junto ao balcão. Tomei um comprimido e baixei a cabeça sobre os braços cruzados e lá fiquei por algum tempo. Não tinha coragem para voltar para o caminhão e também estava sem jeito de revelar para ele o motivo da minha indisposição.
Acho que eu fiquei ali cerca de meia hora até a dor diminuir. Então, um homem com uma mochila que parecia bem pesada nas costas deu uns tapinhas no meu ombro e perguntou se eu estava passando mal. Eu respondi que já estava melhor. De fato estava.
- O senhor é o dono daquele caminhão que está lá fora? – Ele perguntou e eu confirmei movimentando a cabeça.
-  Vai pros lados de São Paulo?
- Vou.
- Pode me dar uma carona? Eu vim até aqui em outro caminhão, mas o motorista vai demorar a prosseguir a viagem porque está cansado.
“Mais um?” – Pensei. Ele deve ter achado que eu estava em dúvida.
- Além disso, ele ainda vai parar aqui perto pra pegar um carregamento e eu estou com muita pressa.
- Olha moço – eu disse. Eu poderia lhe dar carona, mas tem outra pessoa lá no meu caminhão e...
- Entendo está com uma mulher...
- Não. Não é mulher. O homem que está lá é justamente o motivo de eu estar aqui me sentindo mal. Pior que eu estou sem jeito de dizer isso pra ele. Ele está com um cheiro insuportável de suor na roupa, deve ser doença. Eu sei que não vou aguentar seguir viagem enquanto não passar esse mal estar e a chuva que me impede de manter a janela aberta.
- Entendo. Estimo suas melhoras e me desculpe, por favor.
- Não há de que, obrigado – retruquei.
Quando a chuva estiou, depois de quase uma hora, o sol começou a romper as nuvens para nos lembrar que ainda estávamos no meio da tarde e eu resolvi voltar para o caminhão. A dor, felizmente, já havia passado, e eu pretendia chegar à cidade mais próxima à noitinha. Para minha surpresa, o homem não estava no caminhão, nem sinal dele. Eu ainda dei uma olhada ali por perto, mas não o vi. Apesar de ser uma boa oportunidade de seguir viagem sem a companhia do sujeito que me incomodava, eu esperei alguns minutos pensando que ele poderia ter ido ao banheiro. Como ele não apareceu eu resolvi ir embora, aliviado. Já estava subindo no caminhão, quando o sujeito que me pediu carona na lanchonete aproximou-se.
- Então, já melhorou?
- Melhorei sim, obrigado. Não encontrei o homem sobre quem comentei contigo, aquele para quem eu estava dando carona. O senhor por acaso o viu? Está de blusão verde e calça caqui.
Ah! Vi sim. Eu contei pra ele a sua situação. Ele ficou muito sem jeito e disse que o senhor foi tão educado e gentil que estava até com vergonha.  Ele sofre de sudorese excessiva. A roupa encharca de suor e depois fica fedendo. Ele me pediu pra lhe dizer que sente muito por ter lhe causado transtorno e que está envergonhado. Pediu, também, pra lhe agradecer pela carona e falou que iria dar outro jeito de chegar ao seu destino. Agora, se o senhor puder, eu queria que me desse  carona no lugar dele. Pelo menos o cheiro não vai ser problema, passei até desodorante. Eu dei um sorriso e disse;
- Então vamos lá!
- Qual a sua graça? – Perguntei.
- Carlos, meu nome é Carlos. E o seu?
- Rui, Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui.
Confesso que a companhia era muito mais agradável. O camarada conhecia muitos lugares e ficamos conversando sobre as curiosidades que encontramos pelo Brasil afora, até que ele começou a cochilar e falou:
- Está me dando um sono terrível.  Não estou conseguindo me manter acordado, apesar da boa companhia e do papo gostoso. Acho que comi demais no almoço, mas se eu dormir vai ser desagradável pra você não é? Posso te chamar de você, não posso? Afinal a gente deve regular a idade. Pior que dar carona para homem é ter que aturar o sujeito dormindo ao seu lado. Deve ser um “saco”. Não é Rui?
            - Não se importe não. Descanse. Esse é o meu trabalho mesmo... Eu fico horas e horas sozinho. O meu companheiro é o rádio, isto é, quando ele pega. Tem lugares que nem sinal dá. Então sou eu e meus pensamentos, minhas recordações.
Nem percebi que ele já estava dormindo. Tem gente que sofre de surto repentino de sono. De repente dá uma soneira na pessoa que ela não aguenta ficar acordada e isso ocorre a qualquer hora e em qualquer lugar. Eu ouvi sobre esse problema num programa de rádio, quando estavam entrevistando um médico sobre sonambulismo depois de um acidente ocorrido com uma mulher. Ela abriu a porta e foi para a rua fazer não sei o que. Ele dormiu por mais ou menos meia hora, chegava a roncar. “Coitado, está cansado mesmo!” – Pensei. Liguei o rádio baixinho para não incomodar o sujeito. Como é o nome dele mesmo? Ah! Carlos. Lembrei.De repente ele falou alguma coisa que eu não entendi.
            - O que você disse? Pensei que estava dormindo.
Como ele não respondeu, olhei para ele e vi que ainda dormia. “Deve ser dessas pessoas que falam durante o sono. Quando estou sob stress, também falo quando estou dormindo. Comentei com um médico e ele me disse que esse distúrbio do sono chama-se sonilóquio.
Só me faltava essa! O homem é cheio de problemas de sono: dorme de repente, ronca, fala dormindo. Só falta sair andando e descer  do caminhão em movimento. Pior, é que geralmente as pessoas que sofrem disso, quando acordam não lembram uma vírgula do que fizeram enquanto dormiam, ou sonhavam, sei lá.
De repente ele falou novamente:
- Agora. Rápido. Ninguém tá olhando.
Dessa vez eu entendi perfeitamente. Ele ficava movimentando a cabeça como se estivesse vigiando alguma coisa.
- Joga na mochila. Na mochila, rápido!
Aí eu fiquei curioso. Desliguei o rádio para ouvir melhor e passei a prestar  atenção às palavras mal articuladas que ele estava falando, Ele estava muito agitado, se mexia muito.
- Eu vou sair agora. Você sai logo depois – foi o que eu entendi. Esquisito... Está me cheirando a complicação – pensei.
- Vou de carona. De ônibus é perigoso – ele disse.
Então, fiquei preocupado e resolvi me livrar do cara com medo de ele ter roubado alguma coisa. Eu tenho muito medo de me envolver nesse negócio de roubo e contrabando. Liguei novamente o rádio e, quando avistei a bandeira de um posto de gasolina, diminuí a velocidade e dei uma freada brusca para despertá-lo. Ele acordou assustado.
- Desculpe-me, mas tive a impressão que passou um bicho na frente do caminhão. Na verdade também estou ficando com sono. Esse mormaço dá uma moleza danada na gente... Eu vou parar aqui no posto aí na frente pra tomar um café. Além disso, o caminhão está fazendo um barulho estranho. Talvez precise de um mecânico e deve demorar um pouco. Eu passei por um ônibus tem uns quinze minutos. Ele está vindo logo aí atrás. È melhor você pegá-lo pra não se atrasar. O centro da cidade é a uns dez minutos daqui.
- Tá bom. Eu vou ter que fazer isso mesmo. Estou com muita pressa. Mas valeu pela carona, foi providencial. Boa sorte! Tomara que não seja nada grave com o caminhão. Muito obrigado mesmo. Você é um cara muito legal.
O sujeito, aparentemente, não lembrava nada do sonho. Nem sei se ele sabia que tinha sonhado. Melhor assim. Quando eu estacionei o caminhão, ele desceu e agradeceu mais uma vez e disse que queria me pagar, tirando um punhado de notas novas do bolso.
- Eu sou muito grato por você ter me ajudado. Por isso, já que você está com problema no caminhão, eu quero ajudar  no conserto. Você foi muito legal comigo, merece uma recompensa e...
- De jeito nenhum meu amigo. - Jamais eu iria aceitar dinheiro dele depois do que eu ouvi, embora pudesse estar enganado. O dinheiro poderia ser falso e depois eu ia acabar em uma bruta enrascada. Além do mais, o caminhão não tinha defeito algum -. Valeu pela companhia. Não deve ser nada grave. Fique com seu dinheiro.
- Então vamos fazer um lanche. Eu pago.
- Mas você não vai pegar o ônibus que vem aí?
-Ah! O ônibus... Então eu vou deixar o seu lanche pago. Faço questão.
Entrou no restaurante do posto e falou com o dono que iria deixar paga a minha despesa,  apertou a minha mão, me deu um abraço e se foi.
Eu comi um pão com manteiga. Adoro pão com manteiga! Demorei bastante para dar tempo de ele ir embora e se distanciar. Não queria correr o risco de ele ver o meu caminhão de novo na estrada sem problema nenhum.
Quando levantei para sair, o homem do restaurante me perguntou se eu só ia comer aquilo, pois o meu amigo tinha dado uma nota de cinquenta.
- Bota na caixinha - eu disse.
Entrei no caminhão e saí devagar, torcendo para mais ninguém me pedir carona durante aquela viagem.

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