terça-feira, 21 de agosto de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - NUNCA É TARDE PARA SER FELIZ


CAUSOS DA BOLEIA - NUNCA É TARDE PARA SER FELIZ

O sol estava começando a despontar lá no alto da elevação, na ponta da estrada, e eu tinha acabado de sair do posto de gasolina, onde passei a noite, depois de tomar café com leite e comer um pãozinho que estava derretendo a manteiga de tão quente. O motor do caminhão ainda estava esquentando e a brisa soprava pela janela aquele ventinho frio que vinha do mato molhado pelo orvalho. Avistei, na beira da estrada, uma mulher com duas crianças e, quando me aproximei mais, ela fez sinal para eu parar. “A essa hora da manhã, uma mulher com duas crianças na beira da estrada, deve ser alguma coisa séria, doença talvez” – pensei.
Parei o caminhão. Desci e fui ao encontro delas.
- Bom dia dona – eu disse.
- Bom dia – a mulher respondeu.  O senhor vai passar em Três Marias? – o ar se condensava à saída da sua boca.  Sem deixar-me  responder, quis saber se eu poderia dar carona para ela e as crianças.
Olhei para elas, uma menina e um menino, cada uma com um pedaço de pão dormido na mão. Deveriam ter por volta de seis e quatro anos e os seus olhinhos estavam mais para sonho que realidade naquela hora. A maior, a menina, carregava uma mochila bem surrada nas costas que lhe chegava à altura dos joelhos e o menino uma gaiola com um passarinho. Toda a bagagem dos três se resumia à mochila da menina, outra na mão da mãe, mais a gaiola do menino. Eu não iria passar em Três Marias, mas fiquei com pena e acabei dando carona para eles.  Não me custaria nada, apesar de que levaria mais tempo para chegar ao meu destino, mas a carga que eu levava não era perecível.
Ajudei-os a subir para a boleia e fechei a porta. Subi no estribo, verifiquei a tranca da porta, dei a volta pela frente do caminhão e voltei ao meu lugar. Dei a partida no motor e peguei novamente a estrada.
- Eu me chamo Diana e esses são meus dois filhos.
- Meu nome é Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui. Nome de um grande brasileiro, segundo o meu pai, por isso me deu esse nome, em homenagem a ele.
- O seu nome é bonito. E as crianças, como se chamam?
- Érica e Pedro. Essa gaiola e o passarinho foi meu pai quem deu pra ele.
- Por que você está tão cedo com essas duas crianças na estrada?
- Vou levar pra casa da minha mãe.
- Ela mora em Três Marias?
- Eles moram lá sim, minha mãe e meu pai. O senhor conhece Três Marias?
- Nunca entrei praqueles lados. Só passo na estrada e vejo as placas. Mas, por favor, não me chame de senhor. Eu gosto que me chamem só de Rui.
- Tá bom Rui, eu não chamo mais de senhor.
- Mas me diga uma coisa... Não. Deixa pra lá. Não é da minha conta.
- Pode perguntar, Rui.
- É que você parece que tá com uma carinha tão triste. É porque vai ficar longe delas? Vai deixar os dois com os seus pais?
- É só por uns dias. A gente se acostuma.
Eu achei que tinha alguma coisa que ela não queria falar. Então, perguntei:
-Você vai voltar de ônibus?
- Não. Eu não vou voltar. Vou ficar com eles.
Fiquei por um momento calado. Então ela voltou a falar:
- A gente não vai voltar porque... Eu tenho até vergonha de falar... Meu marido me bateu. Estou até com uma marca rocha aqui nas costelas. Quando ele me deu um tapa e me empurrou, eu bati na mesa. Ele nunca tinha feito isso. Era um sujeito calmo. Tratava a mim e às crianças com carinho e, apesar da pobreza, a gente ia levando a vida. Mas, de uns tempos pra cá, não sei por que, começou a beber. Volta tarde pra casa e cheirando a bebida todos os dias depois do trabalho na usina. Até que ontem ele me bateu. Foi a primeira vez e a última. Por isso eu estou aqui. Eu e os meus filhos. Ele não vai mais me ver e nem a elas – as crianças olharam para a mãe e se abraçaram a ela. Eu chorei a noite toda e não consegui me deitar ao lado dele. Pra mim morreu. Eu só tenho 26 anos, não vou ficar apanhando de homem. Vou pra casa dos meus pais, arrumar um emprego... Estou até pensando em estudar. Quem sabe eu fique sabendo a respeito desse tal de Rui Barbosa – forçando um sorriu.
Eu fiquei com muita pena. Quando olhei para ela, vi que seus olhos estavam marejados de lágrimas. Ela olhou para fora e beijou a cabeça de cada uma delas, numa linguagem muda, afirmando a sua proteção.
- Você tem certeza que o seu marido não vem atrás de vocês? Ele não vai fazer nada? – Eu perguntei.
- Não vai. Ele estava dormindo quando eu sai com meus filhos. Quando ele acordar, a gente já tá bem longe. Ele deve imaginar pra onde eu vou levar as crianças, mas se ele me procurar, eu despacho ele. Pra ele eu não volto nunca mais! Me desculpe se eu estou lhe aborrecendo com essas coisas minhas, mas foi você quem perguntou.
- Não está me aborrecendo, de maneira nenhuma. Eu sinto muito.
E, para levantar o astral do ambiente eu falei:
- Crianças, já tá fazendo um calor danado não tá?
As duas olharam para mim com aquelas carinhas de curiosidade que só as crianças sabem fazer e balançaram a cabeça afirmativamente.
- Então, a gente vai parar numa lanchonete daqui a pouquinho. Vamos comprar uns biscoitos e sanduíches, porque vocês devem estar com fome. Depois, vamos tomar banho numa cachoeira que eu conheço pra espantar o calor. Tá legal?
A Diana botou um sorriso, ainda meio triste, e disse:
- Obrigada Rui, já estou achando que tivemos sorte por você ter passado naquela hora, mas não vai deixar as crianças mal acostumadas!
Eu fiquei pensando que crianças são dependentes e indefesas e são as que mais sofrem as consequências dos atos desastrosos dos pais. Uma dor muda que machuca por dentro. Às vezes fere profundamente e marca pra toda vida. Isso é muito triste.
Conforme prometi, eu parei na lanchonete, comprei os lanches e fomos para cachoeira. Estava muito calor, então eu levei as crianças até a queda d’água e fiquei segurando as duas pelas mãos, pois estava muito forte. Foi muito gostoso aquele momento. Fiquei ouvindo o barulho da cachoeira e os gritos de alegria das crianças quebrando o silêncio daquele paraíso isolado. Um banho refrescante com aquela água fresquinha caindo na cabeça, levando todo o cansaço.  
A Diana ficou em pé, na beira do riacho porque não tinha roupa de banho. Então eu a chamei para entrar de vestido mesmo, só para refrescar, depois trocaria de roupa. Ela não resistiu e se juntou à gente. Ficamos lá, os quatro, brincando juntos como se fossemos uma família. Quando saímos da água, fui ao caminhão buscar minha toalha e as mochilas. Quando voltei,  não pude deixar de ver que a água colou o vestido de fazenda fina no corpo da Diana, magro e bonito. Os seios firmes exibiam os mamilos túrgidos pela água fria. Era como se  estivesse só de calcinha, que mesmo assim não escondia muita coisa, levando-se em conta a espessura do tecido branco. Ela percebeu o meu olhar - apesar de eu ter tentado desviá-lo o mais depressa que pude e minha curiosidade permitiu - e cobriu os seios com vergonha. Não contava com aquela situação.
Eu falei para ela me dar as toalhas das crianças e ir trocar a roupa  no caminhão, senão iria acabar pegando um resfriado.
Quando ela voltou, as crianças já estavam secas. Estendi uma toalha na beira do rio e comemos o lanche. Depois, entramos no caminhão e seguimos a viagem. Chegamos à casa dos pais dela quase na hora do almoço.
- Muito obrigada Rui. Agora você sabe onde eu vou morar. Quando voltar pra esses lados, venha almoçar com a gente e aproveita pra descansar um pouquinho pra eu poder recompensar de alguma forma a grande ajuda que você me deu. Mas quero que você venha mesmo! – Ela disse.
- Tá bom. Eu prometo que venho. Pode me aguardar.
“A tentação é grande!” – Pensei. Aquela imagem que encheu os meus olhos lá na cachoeira me veio à cabeça. Estou achando que eu não quero esquecer.

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