sábado, 29 de setembro de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - MAIS VALE UM NA MÃO DO QUE DOIS NO SUTIÃ



CAUSOS DA BOLEIA - MAIS VALE UM NA MÃO DO QUE DOIS NO SUTIÃ

Eu tinha terminado de almoçar e, depois de descansar um pouquinho, estava me preparando para continuar a viagem. Quando subi na boleia, encontrei uma garota sentada no banco do meu caminhão. Olhei pra ela espantado e disse:
-Olá moça, acho que você está no caminhão errado, este aqui é o meu.
- Eu sei. Melhor, até agora não sabia que era seu. Eu não tenho caminhão e nem estava em outro. Sentei aqui pra pedir uma carona quando o dono voltasse e agora que o senhor voltou... Me dá uma carona?
- Você vai pra onde? – Eu perguntei.
- Pra casa da minha mãe.
- Que mal lhe pergunte... Onde é a casa da sua mãe?
- Lá em Bagé, no Sul.
- Mas eu não estou indo pra Bagé, moça... eu vou pra Bahia. Acho melhor procurar outro meio de chegar na casa da sua mãe.
- Então me deixa em Salvador, no meio do caminho, mas me leva embora logo daqui. A minha patroa me mandou embora e disse pra sumir, senão eu vou me arrepender de ter nascido.
- Pera lá! Não quero me meter em confusão!
- Pode deixar, eu explico no caminho se o senhor me levar.
- Então tá. Pode ficar, mas se der rolo eu te largo no meio da estrada.
- Que legal! Bem que eu achei, quando escolhi esse caminhão, que tinha cara que o dono é um bom sujeito. Não é que eu acertei!
-É, eu acho que sou um bom sujeito sim. Já me arrependi de ter dado carona pra umas pessoas, mas pra outras foi bem gratificante - Lembrei da Diana, uma mulher bonita que estava com duas crianças fugindo do marido. Também foi para a casa da mãe dela.
- O meu nome é Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui.
- E o meu é Raquel, mas pode me chamar só de Flor.
- Flor?
- É. Só flor!
- Por que flor?
- Era como me chamavam lá na fazenda desde pequena. Diziam que eu tenho um perfume especial, só meu, e estou sempre alegre e bonita como uma flor.
- Você tem ideia do que é a vida de caminhoneiro? – Perguntei. Eu durmo aqui na minha caminha – fiz sinal indicando o compartimento atrás do banco –, tomo banho em banheiro de posto de gasolina... Só de vez em quando dou sorte de encontrar uma cachoeirinha. Entre uma parada e outra é muita solidão, por isso eu gosto de dar carona, embora saiba que muitas vezes é muito arriscado. Felizmente nunca aconteceu nada de grave comigo.
- Eu nunca saí daqui desse lugar. A dona Gisele me deu um dinheirinho em compensação pelo tempo que eu fiquei lá na fazenda. Quero aproveitar um pouco, conhecer muita coisa bonita que tem por esse mundão de Brasil. Eu via na televisão e me dava uma vontade danada de conhecer esses lugares todos. Agora eu vou ver um pouquinho.
- A viagem é longa, por isso é bom ter companhia, principalmente de uma moça bonita. É meio constrangedor, mas se você não se importa agente supera.  
- Não se aperreie não, homem. Eu sou livre e agora quero aproveitar antes de pensar o que vou fazer da vida.
- Você trabalhou na fazenda desde pequena? Como você foi parar lá se os seus pais moram em Bagé? – Eu perguntei.
- Eu sempre morei lá, nasci e me criei. Meus pais eram empregados dos pais da dona Gisele. Os pais dela já morreram. Meu pai cuidava dos cavalos, mas eles deixaram de criar esses animais, então ele foi trabalhar em outra fazenda lá em Bagé e minha mãe foi junto com ele. Eu devia ter uns dezesseis anos, agora estou com vinte e seis. Fiquei trabalhando na casa a dona Berenice, a mãe da dona Gisele. Ela disse pra minha mãe não se preocupar porque eu ia ficar bem e que eu poderia ir morar com eles quando estivessem se ajeitado. Desde então, só converso com minha mãe por cartas. Só no dia do meu aniversário que ela sempre fala comigo pelo telefone.
- Então porque a sua patroa te mandou embora da fazenda assim, de repente?
- Porque ela me pegou na cama com o Tiago, um rapaz que é sobrinho do seu Leonardo, o marido dela. Mas eu sei que ela ficou com raiva porque está “caída” por ele. Eu bem via o modo que ela trata ele. Várias vezes eu vi ela entrar no quarto dele  na hora que ele ia tomar banho e estava sem roupa, fingindo que queria  saber se ele estava precisando de alguma coisa. Trata ele com muito carinho. Não sei como o seu Leonardo não desconfia. Eu sei que foi por raiva de eu ter deitado com o queridinho dela que ela fez isso comigo. Ficou cheia de ciúmes.
- Ela também mora na fazenda?
- Quem? O Tiago?
- É.
- Não. Só nas férias que ele vai pra lá. Ela fica toda feliz quando ele chega. Cheia de fogo.
- Mas o marido dela não mora lá?
- Ela aproveita quando ele não está, durante o dia. A fazenda é muito grande e ele só vai a casa pra almoçar e depois só volta à noitinha. Se ela fez isso comigo por causa do Tiago, imagine se ela soubesse que foi o seu Leonardo quem tirou a minha virgindade... Ela deve pensar que foi o Julinho.
- Mas o nome dele não é Tiago?
- Não. O Julinho é filho da dona Gisele. Deixa eu contar: Uma vez, ela viajou e ficou mais de um mês fora. Ele foi ao meu quarto numa noite pra dizer que o lençol da cama dele estava sujo e pediu pra eu trocar...
- O Julinho?
- Não. O seu Leonardo, o marido dela. Depois que eu troquei o lençol ele me agradeceu, coisa que ele nunca fez, e pegou minha mão e falou: “Eu não tinha reparado que você cresceu e se tornou uma mulher tão bonita, Flor” - eu estava só de camisola.   Ele passou as mãos nos meus cabelos - estava tremendo. “Eu estou sentindo falta de mulher” - ele disse botando as mãos nos meus peitos e apertando. Eu tinha dezessete anos e nunca tinha sido tocada por uma mão que não fosse a minha. Meus peitos ficaram duros que até doíam e eu fiquei toda arrepiada. Ai ele tirou a minha roupa, me deitou na cama e me beijou o corpo todo - bem que eu não vi nenhuma sujeira no lençol, ele queria mesmo era se deitar comigo, se aproveitar. Depois ele tirou a roupa dele, muito apressado, parecia que não estava aguentando mais. Mas só apagou a luz depois que estava nu. Acho que foi de propósito pra eu ver aquele negócio enorme e duro. Eu até me assustei, nunca tinha visto um de homem daquele jeito parecia um pedaço de toco, eu só tinha visto do Julinho quando ele não tomava banho sozinho e dos bichos da fazenda. Ele deitou em cima de mim e eu senti aquele negócio entre as minhas pernas, querendo entrar em mim. Ele parecia que estava desesperado, mas eu não sei o que ele fez que não doeu, só ardeu um pouquinho. Logo eu senti ele todo aqui dentro, mas não demorou muito... você sabe o que aconteceu...
Eu já estava ficando excitado, melhor, já estava. “Por que essa garota está me contando o caso com tantos detalhes?” – Pensei.
- Flor, vamos parar daqui a pouco pra almoçar...
- Acho bom, porque eu estou com fome e também preciso ir ao banheiro... Depois que ele acabou – continuou a contar, para meu desespero -, mandou eu ir pro meu quarto. No dia seguinte me chamou e me levou na cidade pra me consultar com um médico de mulher. Ele não disse pra ninguém que me levou ao médico, falou que era pra fazer umas compras pra cozinha. Depois disso ele sempre comprava as pílulas pra eu tomar, e enquanto a mulher dele estava viajando, toda noite me levava pro quarto dele. Depois que ela voltou ele de vez em quando dava um jeito de ir no meu quarto escondido, de manhã bem cedo, enquanto a dona Gisele estava dormindo. Ele dizia que com a dona Gisele não é a mesma coisa. Depois eu me acostumei e até gostava, porque cada vez que ele me procurava me dava um presentinho. Foi depois disso que eu comecei a me insinuar pro Julinho, o coitado ficava escondido se satisfazendo com a mão, então eu resolvi fazer com ele o que o pai dele fez comigo, só que disso acho que todos sabiam, aceitavam e ficavam satisfeitos. Agora por causa do ciúme dela, quando eles descobrirem que a mulher deles foi embora nem sei como vai ser. Ela sabe que eu ensinei essas coisas de sexo pro filho dela desde que ele tinha quinze anos, agora ele tem dezoito. Eu sei que ela até gostava disso. Sabia que ele sempre ia pro meu quarto e se fazia de desentendida. Quando os parentes dela iam visitar a fazenda e conversavam sobre as moças e rapazes da família, ela sempre dizia que ali na fazenda o filho dela não corria os mesmos riscos que os primos na cidade e não tem medo de que ele não seja homem de verdade. Aliás, dizia disso ela tinha certeza. Eu é que posso dizer, eu ensinei tudo com muito carinho pro Julinho. Claro que também aproveitei bastante como professora -  olhou para mim de rabo de olho, com um sorriso maroto.  Pronto, está aí a minha história! O que você me diz? – Ela perguntou.
- Eu digo que vamos parar pra almoçar porque estou cheio de fome. - respondi.
Enquanto ela estava no banheiro e fiquei sentado num banquinho junto ao balcão pensando como uma garota do interior que sempre viveu numa fazenda tem a ousadia de me contar a sua história daquela forma, em detalhes, sem pudor algum. Coincidentemente, eu tinha lido um artigo no jornal, que ainda estava lá jogado no painel, enquanto tomava café naquela manhã, sobre a peça Don Juan de Molière cujo texto diz o seguinte: “ Desfrutamos de um prazer extremo ao eliminar o inocente pudor de uma bela jovem que reluta em se entregar, ao forçar aos pouquinhos todas as pequenas resistências que ela opõe, a superar seus escrúpulos e chegar onde queremos.”
“Eu não sei por que desde o início da história o homem acha que tem esse poder de dominar as mulheres e usá-las como se elas só existissem pra satisfazer os seus desejos e instintos e ainda se vangloriam disso. Mas as mulheres estão mudando isso e os homens não estão percebendo” – Eu pensei.
Depois do almoço, novamente na estrada, ela tirou um cochilo e eu pude observá-la melhor. É realmente bonita a danada. Ela tem um corpo daqueles de deixar qualquer um doido. Os cabelos encaracolados caindo nos ombros... muito bonita mesmo, não é a toa que tenha sido protagonista de toda a novela que ela me contou.
Chegamos a Salvador à noitinha.
- Pronto, chegamos! Aí está Salvador! - Eu disse.
Ela espreguiçou- se, esticando os braços e as pernas - tinha dormido encolhida no banco -,  bocejou e pediu desculpas com um sorrisinho matreiro.
- Posso ficar por aqui, seguir contigo mais um pouco? Eu estou gostando da viagem – ela disse.
Naquela altura, eu, no fundo, bem que gostaria da companhia dela, por isso nem pensei duas vezes, aceitei de imediato.
- Se você quiser pode ficar. Pra mim vai ser até bom - não queria demonstrar muito entusiasmo. Tem um problema: como a gente vai fazer pra dormir? Eu normalmente encosto o caminhão num posto de gasolina e durmo aí na minha caminha atrás do banco. Na estrada, o meu caminhão é a minha casa.
- E você nem imagina que eu vou dormir aqui mesmo contigo!? Isto é, se você quiser... Sou muito atrevida, né? Nem perguntei se você tem mulher, se é casado, e venho logo me oferecendo... Não pensa besteira de mim não, mas é que você foi tão legal comigo...
- Eu não sou casado. Já fui. Sou divorciado. O casamento não deu certo por causa das minhas viagens. Eu estou cheio de fome! Vamos tomar banho e comer alguma coisa que amanhã é outro dia.
Ela deu um sorriso maroto, cheio de alegria e me deu um beijo no rosto. Depois de jantarmos, ficamos assistindo televisão no restaurante do posto - ela disse que queria ver a novela. Depois fomos pro caminhão e ficamos conversando até mais ou menos dez horas. Foi a minha vez de falar sobre mim e o que acontece comigo na viagens,. até que resolvemos dormir.
Eu deitei na minha cama e ela olhou pra mim, como se perguntasse se eu consentia. Nem precisou falar, eu abri espaço na cama e ela deitou ao meu lado. O compartimento é pequeno e tivemos que ficar bem juntinhos. Não demorou a gente já estava se pegando. Há quanto tempo eu não passava uma noite como aquela. A mulher é realmente uma beleza, o corpo duro e perfumado. Então eu confirmei o porquê do apelido. Ela é muito dengosa e carinhosa e parece que eu correspondi às expectativas dela.
Acordamos pela manhã, como calor do sol esquentando a cabine do caminhão. Fomos tomar café para depois seguir a viagem. Eu demorei mais de uma semana para voltar para o Rio. A Raquel, melhor, a Flor, ficou comigo todo esse tempo. Eu gostei dela e ela também se agradou de mim e a gente ficou namorando. Ela veio para o Rio comigo e ficou morando no meu apartamento mais ou menos umas duas semanas.
Eu precisava trabalhar e não dava para ficar com ela o tempo todo junto comigo. Uma amiga minha, do tempo que eu era casado, estava precisando de uma pessoa para fazer companhia para a mãe dela que estava doente, então eu indiquei a Raquel e ela ficou morando na casa da minha amiga. Quando eu voltava para o Rio a gente se encontrava. Ela pediu para ficar morando comigo de novo, inclusive me acompanhar nas viagens, mas eu disse que não dava certo esse negócio de mulher o tempo todo junto e se ela fosse morar comigo e não viajasse iria acabar acontecendo a mesma coisa que aconteceu com o meu casamento, então era melhor a gente continuar do jeito que estava. Depois de algum tempo ela foi para o Sul e nunca mais a vi, embora ela ligue para mim de vez em quando.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - NUNCA É TARDE PARA SER FELIZ


CAUSOS DA BOLEIA - NUNCA É TARDE PARA SER FELIZ

O sol estava começando a despontar lá no alto da elevação, na ponta da estrada, e eu tinha acabado de sair do posto de gasolina, onde passei a noite, depois de tomar café com leite e comer um pãozinho que estava derretendo a manteiga de tão quente. O motor do caminhão ainda estava esquentando e a brisa soprava pela janela aquele ventinho frio que vinha do mato molhado pelo orvalho. Avistei, na beira da estrada, uma mulher com duas crianças e, quando me aproximei mais, ela fez sinal para eu parar. “A essa hora da manhã, uma mulher com duas crianças na beira da estrada, deve ser alguma coisa séria, doença talvez” – pensei.
Parei o caminhão. Desci e fui ao encontro delas.
- Bom dia dona – eu disse.
- Bom dia – a mulher respondeu.  O senhor vai passar em Três Marias? – o ar se condensava à saída da sua boca.  Sem deixar-me  responder, quis saber se eu poderia dar carona para ela e as crianças.
Olhei para elas, uma menina e um menino, cada uma com um pedaço de pão dormido na mão. Deveriam ter por volta de seis e quatro anos e os seus olhinhos estavam mais para sonho que realidade naquela hora. A maior, a menina, carregava uma mochila bem surrada nas costas que lhe chegava à altura dos joelhos e o menino uma gaiola com um passarinho. Toda a bagagem dos três se resumia à mochila da menina, outra na mão da mãe, mais a gaiola do menino. Eu não iria passar em Três Marias, mas fiquei com pena e acabei dando carona para eles.  Não me custaria nada, apesar de que levaria mais tempo para chegar ao meu destino, mas a carga que eu levava não era perecível.
Ajudei-os a subir para a boleia e fechei a porta. Subi no estribo, verifiquei a tranca da porta, dei a volta pela frente do caminhão e voltei ao meu lugar. Dei a partida no motor e peguei novamente a estrada.
- Eu me chamo Diana e esses são meus dois filhos.
- Meu nome é Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui. Nome de um grande brasileiro, segundo o meu pai, por isso me deu esse nome, em homenagem a ele.
- O seu nome é bonito. E as crianças, como se chamam?
- Érica e Pedro. Essa gaiola e o passarinho foi meu pai quem deu pra ele.
- Por que você está tão cedo com essas duas crianças na estrada?
- Vou levar pra casa da minha mãe.
- Ela mora em Três Marias?
- Eles moram lá sim, minha mãe e meu pai. O senhor conhece Três Marias?
- Nunca entrei praqueles lados. Só passo na estrada e vejo as placas. Mas, por favor, não me chame de senhor. Eu gosto que me chamem só de Rui.
- Tá bom Rui, eu não chamo mais de senhor.
- Mas me diga uma coisa... Não. Deixa pra lá. Não é da minha conta.
- Pode perguntar, Rui.
- É que você parece que tá com uma carinha tão triste. É porque vai ficar longe delas? Vai deixar os dois com os seus pais?
- É só por uns dias. A gente se acostuma.
Eu achei que tinha alguma coisa que ela não queria falar. Então, perguntei:
-Você vai voltar de ônibus?
- Não. Eu não vou voltar. Vou ficar com eles.
Fiquei por um momento calado. Então ela voltou a falar:
- A gente não vai voltar porque... Eu tenho até vergonha de falar... Meu marido me bateu. Estou até com uma marca rocha aqui nas costelas. Quando ele me deu um tapa e me empurrou, eu bati na mesa. Ele nunca tinha feito isso. Era um sujeito calmo. Tratava a mim e às crianças com carinho e, apesar da pobreza, a gente ia levando a vida. Mas, de uns tempos pra cá, não sei por que, começou a beber. Volta tarde pra casa e cheirando a bebida todos os dias depois do trabalho na usina. Até que ontem ele me bateu. Foi a primeira vez e a última. Por isso eu estou aqui. Eu e os meus filhos. Ele não vai mais me ver e nem a elas – as crianças olharam para a mãe e se abraçaram a ela. Eu chorei a noite toda e não consegui me deitar ao lado dele. Pra mim morreu. Eu só tenho 26 anos, não vou ficar apanhando de homem. Vou pra casa dos meus pais, arrumar um emprego... Estou até pensando em estudar. Quem sabe eu fique sabendo a respeito desse tal de Rui Barbosa – forçando um sorriu.
Eu fiquei com muita pena. Quando olhei para ela, vi que seus olhos estavam marejados de lágrimas. Ela olhou para fora e beijou a cabeça de cada uma delas, numa linguagem muda, afirmando a sua proteção.
- Você tem certeza que o seu marido não vem atrás de vocês? Ele não vai fazer nada? – Eu perguntei.
- Não vai. Ele estava dormindo quando eu sai com meus filhos. Quando ele acordar, a gente já tá bem longe. Ele deve imaginar pra onde eu vou levar as crianças, mas se ele me procurar, eu despacho ele. Pra ele eu não volto nunca mais! Me desculpe se eu estou lhe aborrecendo com essas coisas minhas, mas foi você quem perguntou.
- Não está me aborrecendo, de maneira nenhuma. Eu sinto muito.
E, para levantar o astral do ambiente eu falei:
- Crianças, já tá fazendo um calor danado não tá?
As duas olharam para mim com aquelas carinhas de curiosidade que só as crianças sabem fazer e balançaram a cabeça afirmativamente.
- Então, a gente vai parar numa lanchonete daqui a pouquinho. Vamos comprar uns biscoitos e sanduíches, porque vocês devem estar com fome. Depois, vamos tomar banho numa cachoeira que eu conheço pra espantar o calor. Tá legal?
A Diana botou um sorriso, ainda meio triste, e disse:
- Obrigada Rui, já estou achando que tivemos sorte por você ter passado naquela hora, mas não vai deixar as crianças mal acostumadas!
Eu fiquei pensando que crianças são dependentes e indefesas e são as que mais sofrem as consequências dos atos desastrosos dos pais. Uma dor muda que machuca por dentro. Às vezes fere profundamente e marca pra toda vida. Isso é muito triste.
Conforme prometi, eu parei na lanchonete, comprei os lanches e fomos para cachoeira. Estava muito calor, então eu levei as crianças até a queda d’água e fiquei segurando as duas pelas mãos, pois estava muito forte. Foi muito gostoso aquele momento. Fiquei ouvindo o barulho da cachoeira e os gritos de alegria das crianças quebrando o silêncio daquele paraíso isolado. Um banho refrescante com aquela água fresquinha caindo na cabeça, levando todo o cansaço.  
A Diana ficou em pé, na beira do riacho porque não tinha roupa de banho. Então eu a chamei para entrar de vestido mesmo, só para refrescar, depois trocaria de roupa. Ela não resistiu e se juntou à gente. Ficamos lá, os quatro, brincando juntos como se fossemos uma família. Quando saímos da água, fui ao caminhão buscar minha toalha e as mochilas. Quando voltei,  não pude deixar de ver que a água colou o vestido de fazenda fina no corpo da Diana, magro e bonito. Os seios firmes exibiam os mamilos túrgidos pela água fria. Era como se  estivesse só de calcinha, que mesmo assim não escondia muita coisa, levando-se em conta a espessura do tecido branco. Ela percebeu o meu olhar - apesar de eu ter tentado desviá-lo o mais depressa que pude e minha curiosidade permitiu - e cobriu os seios com vergonha. Não contava com aquela situação.
Eu falei para ela me dar as toalhas das crianças e ir trocar a roupa  no caminhão, senão iria acabar pegando um resfriado.
Quando ela voltou, as crianças já estavam secas. Estendi uma toalha na beira do rio e comemos o lanche. Depois, entramos no caminhão e seguimos a viagem. Chegamos à casa dos pais dela quase na hora do almoço.
- Muito obrigada Rui. Agora você sabe onde eu vou morar. Quando voltar pra esses lados, venha almoçar com a gente e aproveita pra descansar um pouquinho pra eu poder recompensar de alguma forma a grande ajuda que você me deu. Mas quero que você venha mesmo! – Ela disse.
- Tá bom. Eu prometo que venho. Pode me aguardar.
“A tentação é grande!” – Pensei. Aquela imagem que encheu os meus olhos lá na cachoeira me veio à cabeça. Estou achando que eu não quero esquecer.

CAUSOS DA BOLEIA - SE PARECE BOM DEMAIS PRA SER VERDADE, É PORQUE REALMENTE NÃO É


CAUSOS DA BOLEIA - SE PARECE BOM DEMAIS PRA SER VERDADE, É PORQUE REALMENTE NÃO É

A gente pega cada tipo nas estradas! Mas é bom, pelo menos serve para distrair durante as longas viagens. É por isso que eu não me incomodo de dar carona. A gente conhece uma diversidade enorme de pessoas, de origem, de cultura, etc.
Eu tenho um amigo que é escritor e está pensando em sentar com ele e contar os meus causos. Quem sabe até publique um livro. Até que não é uma má ideia... Já pensou?!  “Causos da Boleia contados por Rui Barbosa”...
Certa vez eu dei carona para um sujeito que estava com o carro avariado na estrada. Chovia bastante, por isso tínhamos que andar com as janelas quase fechadas. Ele até que era bem apessoado, bem vestido... Mas eu não sei por que ele exalava um cheiro ruim, fedia a suor de maneira insuportável.
Depois de rodar alguns quilômetros - período em que ficamos calados - eu comecei a me sentir mal por causa do cheiro - acho que era da camisa dele. Se eu abrisse a janela entrava muita água da chuva, então eu tinha que mantê-la fechada. Mas com as janelas fechadas o ambiente ficava insuportável.Então eu fiquei com  uma dor de cabeça muito forte acompanhada de ânsia de vômito. Pedi desculpas a ele e disse que tinha que parar num posto de gasolina logo adiante porque não estava me sentindo bem. Parei o carro em baixo de uma cobertura e abri a janela para respirar aliviado. Desci do caminhão, e deixei a chuva cair na minha cabeça caminhando devagar. Entrei na lanchonete e fui pro mictório. Ele ficou no caminhão. Depois eu pedi um cafezinho e me sentei em um banco junto ao balcão. Tomei um comprimido e baixei a cabeça sobre os braços cruzados e lá fiquei por algum tempo. Não tinha coragem para voltar para o caminhão e também estava sem jeito de revelar para ele o motivo da minha indisposição.
Acho que eu fiquei ali cerca de meia hora até a dor diminuir. Então, um homem com uma mochila que parecia bem pesada nas costas deu uns tapinhas no meu ombro e perguntou se eu estava passando mal. Eu respondi que já estava melhor. De fato estava.
- O senhor é o dono daquele caminhão que está lá fora? – Ele perguntou e eu confirmei movimentando a cabeça.
-  Vai pros lados de São Paulo?
- Vou.
- Pode me dar uma carona? Eu vim até aqui em outro caminhão, mas o motorista vai demorar a prosseguir a viagem porque está cansado.
“Mais um?” – Pensei. Ele deve ter achado que eu estava em dúvida.
- Além disso, ele ainda vai parar aqui perto pra pegar um carregamento e eu estou com muita pressa.
- Olha moço – eu disse. Eu poderia lhe dar carona, mas tem outra pessoa lá no meu caminhão e...
- Entendo está com uma mulher...
- Não. Não é mulher. O homem que está lá é justamente o motivo de eu estar aqui me sentindo mal. Pior que eu estou sem jeito de dizer isso pra ele. Ele está com um cheiro insuportável de suor na roupa, deve ser doença. Eu sei que não vou aguentar seguir viagem enquanto não passar esse mal estar e a chuva que me impede de manter a janela aberta.
- Entendo. Estimo suas melhoras e me desculpe, por favor.
- Não há de que, obrigado – retruquei.
Quando a chuva estiou, depois de quase uma hora, o sol começou a romper as nuvens para nos lembrar que ainda estávamos no meio da tarde e eu resolvi voltar para o caminhão. A dor, felizmente, já havia passado, e eu pretendia chegar à cidade mais próxima à noitinha. Para minha surpresa, o homem não estava no caminhão, nem sinal dele. Eu ainda dei uma olhada ali por perto, mas não o vi. Apesar de ser uma boa oportunidade de seguir viagem sem a companhia do sujeito que me incomodava, eu esperei alguns minutos pensando que ele poderia ter ido ao banheiro. Como ele não apareceu eu resolvi ir embora, aliviado. Já estava subindo no caminhão, quando o sujeito que me pediu carona na lanchonete aproximou-se.
- Então, já melhorou?
- Melhorei sim, obrigado. Não encontrei o homem sobre quem comentei contigo, aquele para quem eu estava dando carona. O senhor por acaso o viu? Está de blusão verde e calça caqui.
Ah! Vi sim. Eu contei pra ele a sua situação. Ele ficou muito sem jeito e disse que o senhor foi tão educado e gentil que estava até com vergonha.  Ele sofre de sudorese excessiva. A roupa encharca de suor e depois fica fedendo. Ele me pediu pra lhe dizer que sente muito por ter lhe causado transtorno e que está envergonhado. Pediu, também, pra lhe agradecer pela carona e falou que iria dar outro jeito de chegar ao seu destino. Agora, se o senhor puder, eu queria que me desse  carona no lugar dele. Pelo menos o cheiro não vai ser problema, passei até desodorante. Eu dei um sorriso e disse;
- Então vamos lá!
- Qual a sua graça? – Perguntei.
- Carlos, meu nome é Carlos. E o seu?
- Rui, Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui.
Confesso que a companhia era muito mais agradável. O camarada conhecia muitos lugares e ficamos conversando sobre as curiosidades que encontramos pelo Brasil afora, até que ele começou a cochilar e falou:
- Está me dando um sono terrível.  Não estou conseguindo me manter acordado, apesar da boa companhia e do papo gostoso. Acho que comi demais no almoço, mas se eu dormir vai ser desagradável pra você não é? Posso te chamar de você, não posso? Afinal a gente deve regular a idade. Pior que dar carona para homem é ter que aturar o sujeito dormindo ao seu lado. Deve ser um “saco”. Não é Rui?
            - Não se importe não. Descanse. Esse é o meu trabalho mesmo... Eu fico horas e horas sozinho. O meu companheiro é o rádio, isto é, quando ele pega. Tem lugares que nem sinal dá. Então sou eu e meus pensamentos, minhas recordações.
Nem percebi que ele já estava dormindo. Tem gente que sofre de surto repentino de sono. De repente dá uma soneira na pessoa que ela não aguenta ficar acordada e isso ocorre a qualquer hora e em qualquer lugar. Eu ouvi sobre esse problema num programa de rádio, quando estavam entrevistando um médico sobre sonambulismo depois de um acidente ocorrido com uma mulher. Ela abriu a porta e foi para a rua fazer não sei o que. Ele dormiu por mais ou menos meia hora, chegava a roncar. “Coitado, está cansado mesmo!” – Pensei. Liguei o rádio baixinho para não incomodar o sujeito. Como é o nome dele mesmo? Ah! Carlos. Lembrei.De repente ele falou alguma coisa que eu não entendi.
            - O que você disse? Pensei que estava dormindo.
Como ele não respondeu, olhei para ele e vi que ainda dormia. “Deve ser dessas pessoas que falam durante o sono. Quando estou sob stress, também falo quando estou dormindo. Comentei com um médico e ele me disse que esse distúrbio do sono chama-se sonilóquio.
Só me faltava essa! O homem é cheio de problemas de sono: dorme de repente, ronca, fala dormindo. Só falta sair andando e descer  do caminhão em movimento. Pior, é que geralmente as pessoas que sofrem disso, quando acordam não lembram uma vírgula do que fizeram enquanto dormiam, ou sonhavam, sei lá.
De repente ele falou novamente:
- Agora. Rápido. Ninguém tá olhando.
Dessa vez eu entendi perfeitamente. Ele ficava movimentando a cabeça como se estivesse vigiando alguma coisa.
- Joga na mochila. Na mochila, rápido!
Aí eu fiquei curioso. Desliguei o rádio para ouvir melhor e passei a prestar  atenção às palavras mal articuladas que ele estava falando, Ele estava muito agitado, se mexia muito.
- Eu vou sair agora. Você sai logo depois – foi o que eu entendi. Esquisito... Está me cheirando a complicação – pensei.
- Vou de carona. De ônibus é perigoso – ele disse.
Então, fiquei preocupado e resolvi me livrar do cara com medo de ele ter roubado alguma coisa. Eu tenho muito medo de me envolver nesse negócio de roubo e contrabando. Liguei novamente o rádio e, quando avistei a bandeira de um posto de gasolina, diminuí a velocidade e dei uma freada brusca para despertá-lo. Ele acordou assustado.
- Desculpe-me, mas tive a impressão que passou um bicho na frente do caminhão. Na verdade também estou ficando com sono. Esse mormaço dá uma moleza danada na gente... Eu vou parar aqui no posto aí na frente pra tomar um café. Além disso, o caminhão está fazendo um barulho estranho. Talvez precise de um mecânico e deve demorar um pouco. Eu passei por um ônibus tem uns quinze minutos. Ele está vindo logo aí atrás. È melhor você pegá-lo pra não se atrasar. O centro da cidade é a uns dez minutos daqui.
- Tá bom. Eu vou ter que fazer isso mesmo. Estou com muita pressa. Mas valeu pela carona, foi providencial. Boa sorte! Tomara que não seja nada grave com o caminhão. Muito obrigado mesmo. Você é um cara muito legal.
O sujeito, aparentemente, não lembrava nada do sonho. Nem sei se ele sabia que tinha sonhado. Melhor assim. Quando eu estacionei o caminhão, ele desceu e agradeceu mais uma vez e disse que queria me pagar, tirando um punhado de notas novas do bolso.
- Eu sou muito grato por você ter me ajudado. Por isso, já que você está com problema no caminhão, eu quero ajudar  no conserto. Você foi muito legal comigo, merece uma recompensa e...
- De jeito nenhum meu amigo. - Jamais eu iria aceitar dinheiro dele depois do que eu ouvi, embora pudesse estar enganado. O dinheiro poderia ser falso e depois eu ia acabar em uma bruta enrascada. Além do mais, o caminhão não tinha defeito algum -. Valeu pela companhia. Não deve ser nada grave. Fique com seu dinheiro.
- Então vamos fazer um lanche. Eu pago.
- Mas você não vai pegar o ônibus que vem aí?
-Ah! O ônibus... Então eu vou deixar o seu lanche pago. Faço questão.
Entrou no restaurante do posto e falou com o dono que iria deixar paga a minha despesa,  apertou a minha mão, me deu um abraço e se foi.
Eu comi um pão com manteiga. Adoro pão com manteiga! Demorei bastante para dar tempo de ele ir embora e se distanciar. Não queria correr o risco de ele ver o meu caminhão de novo na estrada sem problema nenhum.
Quando levantei para sair, o homem do restaurante me perguntou se eu só ia comer aquilo, pois o meu amigo tinha dado uma nota de cinquenta.
- Bota na caixinha - eu disse.
Entrei no caminhão e saí devagar, torcendo para mais ninguém me pedir carona durante aquela viagem.

sábado, 14 de julho de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - PASSARINHO NÃO COME PEDRA PORQUE SABE O BICO QUE TEM

CAUSOS DA BOLEIA - PASSARINHO NÃO COME PEDRA PORQUE SABE O BICO QUE TEM

“Uma mulher sozinha numa hora dessas na beira da estrada!” - Foi o que eu pensei, quando avistei sentada em cima da mala, numa estrada de barro poeirenta e comprida que nem se via o fim. Quando ela viu o meu caminhão aproximando-se, levantou-se e, timidamente, fez o sinal característico – a mão fechada e o polegar esticado para o lado e agitando o braço - pedindo carona. Eu parei um pouquinho antes dela para observar melhor. Era uma mulher bonita, balzaquiana, como dizem quando se referem a mulheres na casa dos trinta, por conta de um livro de um francês chamado Balzac, como aparentava aquela, com o corpo esguio, que estava vindo em direção ao meu caminhão arrastando com dificuldade a mala.
Constatei em seguida que ela não estava só. Saindo de trás de uma árvore, um homem fingindo que estava abotoando a braguilha, veio logo atrás dela. Fez a mulher de isca o sem vergonha!
- Bom dia! - Ele disse.
- Bom dia! – Respondi.
- Nós perdemos o ônibus que passou agorinha. Só deu pra ver o rabo dele lá no alto da pista. O próximo só vai passar à tarde. Será que o senhor nos leva até Palmital?
- Claro! Não tenha dúvida. Não vou deixar o casal aqui à mercê do calor, ainda mais uma mulher... – quase falei besteira.
Desci do caminhão para ajudá-los a subir. Fiz menção de auxiliar à mulher, mas ele adiantou-se e pegou no cotovelo dela para lhe dar apoio.
- O senhor pode guardar a mala pra gente? – Perguntou.
Como na boleia não tinha espaço para a mala, eu levantei um pouquinho a lona e a enfiei  na carroceria. Ele apoiou a mulher colocando uma das mãos nas nádegas dela para ajudá-la a subir e, como o tecido do vestido era muito fino, deu para eu perceber os contornos das cochas e da calcinha e ver que  tinha um corpo e tanto.
Eu entrei pelo meu lado. Depois ele subiu e parece que não gostou muito da situação. Mandou a mulher sentar na ponta do banco, mais perto da porta. Ela encolheu as pernas para ele passar e o sujeito sentou-se entre nós dois. Contive um sorriso, engatei a marcha e dei a partida.
- Meu nome é Rui Barbosa, mas podem me chamar de Rui.
Eles ficaram calados como se não tivessem ouvido. Depois de alguns minutos ele disse:
- Jair. Meu nome é Jair – voltou a ficar calado. 
A mulher era atraente, apesar da simplicidade. De vez em quando eu disfarçava e dava uma olhada. Ela ficava o tempo todo com o rosto virado para fora com os cabelos esvoaçando ao vento, enquanto ele olhava fixamente para a frente. Quando eu perguntei, para puxar conversa, se eram casados, ele respondeu secamente:
- É, somos.
Aproveitei que ele respondeu e emendei outra:
-Vocês têm filhos?
-Temos dois. A gente vai buscar eles - ela apressou-se a responder interessada. E o sen ... - Ela ia perguntar alguma coisa, mas percebi que o homem lhe deu uma cutucada nas costelas com o cotovelo.
- É, a gente vai apanhar eles na casa da mãe dela.
Ela parece que estava acostumada com o jeitão bruto do marido, não deu muita importância e me perguntou:
- O senhor guardou a mala lá atrás, mas eu precisava pegar uma coisinha lá. Quando o senhor puder pega pra mim?
Senti que ele a fuzilou com os olhos. Êta sujeitinho ciumento sô!
- Claro que eu pego! Não tem problema dona.
Como eu estava de boa maré e não queria parecer com o marido dela, eu logo parei o caminhão, passei pela frente e abri a porta para ela descer. O marido ficou lá, mas não por muito tempo. Logo que eu peguei a mala, já estava ele atrás dela. Arriei a mala no chão e ela tirou de dentro uma bolsinha.
- Pronto - disse fechando a mala.  Pode por de volta no lugar. Obrigada.
Dessa vez eu voltei direto para a cabine. Ele subiu na boléia e deu a mão para ajudá-la a entrar.Voltamos para a estrada e eu fiquei assobiando para distrair a cabeça, mas não deixei de ouvir o sujeito cochichar para a mulher:
- Por que você tinha que fazer o homem parar o caminhão? Ta atrapalhando o serviço dele!
- Ah, isso é coisa de mulher. Você nunca entendeu nem prestou atenção nisso, mas pelo jeito o moço deve saber.
“Boa! Essa mulher é danada!” – Pensei com meus botões.
Alguns quilômetros à frente, o sujeito começou a cochilar, batendo cabeça, aí eu falei para ela:
A senhora está precisando que eu pare no próximo posto? Não se acanhe, tem coisas que a gente não pode evitar e tem que aceitar - dando uma de entendido só para mexer com o cara. Estava me divertindo.
- Se o senhor não se incomodar, eu quero sim. Não demoro nada a me ajeitar.
Quando eu parei, ela foi direto para o toalete e eu fui tomar um cafezinho. O marido ficou por ali, olhando para os lados, fingindo interesse em qualquer coisa do outro lado da estrada, mas não tirou o olho do banheiro feminino. Ela não demorou mesmo, logo ela estava de volta.
- Obrigada seu Rui. Agora estou recomposta. Desculpe.
- Não tem por que dona. Não se preocupe, eu sei como são essas coisas.
O sujeito agora estava com cara de poucos amigos, emburrado. A mulher tentando tirá-lo daquela situação ridícula, começou a falar com ele baixinho, mas eu ouvia tudo.
- Jair, quando a gente chegar de volta em casa com os meninos, eu vou precisar de umas batatas pra janta.
- Pode deixar que eu mesmo levo lá em casa.
- Mas tem que ser antes de você voltar, pra dar tempo. Você não pode mandar aquele rapaz que levou da outra vez?
- Ele não trabalha mais na fazenda.
- Não trabalha? Por quê?
- Eu disse pro patrão que ele não prestava.
- Mas você nem conhecia o rapaz direito, ficou poucos dias lá!
- É, mas eu não gostei da intimidade dele.
- Não gostou por quê?
- Não gostei de ele entrar na nossa cozinha e ficar tomando refresco sentado na mesa.
- Mas fui eu que dei pra ele beber. Fiquei com pena do pobre, estava muito calor. Até as galinhas estavam deitadas na sombra da jaqueira, tudo de asa aberta pra arejar.
- Foi por isso mesmo. Não quero esses cabras pegando intimidade com minha mulher lá em casa sozinha.
- Você não tem jeito mesmo hein! Os meninos estavam lá nos fundos jogando bolinha de gude. Coitado do rapaz, “virge maria”!
- Ah! Ele arruma outro lugar pra trabalhar.
Ela voltou a olhar para o lado com o queixo apoiado na mão, balançando a cabeça em sinal de reprovação.
Na hora do almoço, eu parei porque ninguém é de ferro. O camarada disse que ia aproveitar para ligar para o cunhado e dizer que estavam indo de carona porque tinham perdido o ônibus, para ele avisar à mãe dela.
Enquanto ele foi fazer a ligação, ela ficou conversando comigo. Disse para ele que preferia ficar ali que estava fresquinho, porque não se sentia muito bem.
- O senhor desculpe as maneiras do Jair, seu Rui. Ele é um pouquinho ciumento e...
- Pouquinho ciumento! Dona ele é ciumento pra burro pelo que deu pra eu notar. Não sei como a senhora agüenta. Se fosse na cidade tudo bem, mas aqui no meio do mato é até de espantar, apesar que de certa forma eu entendo... “Olha lá Rui. É melhor não se meter. Contenha-se para não arrumar encrenca” - pensei.
- Ele ficou assim logo depois que a gente se casou. Ele queria ter filhos, mas nada de pegar. Aí ele foi num doutor lá na cidade. O médico mandou ele fazer uns exames e disse que ele não podia embuchar mulher. Por isso a gente tentava e não conseguia. Os dois que a gente tem não são filhos dele. São de dois homens diferentes que trabalharam lá na fazenda. Ele é muito orgulhoso e  tem medo que descubram que ele não é homem pra fazer filho, de ser chamado de “gala rala”, como dizem pra troçar dos outros. Então combinou comigo pra eu encontrar os moços só uma vez, fingindo interesse, eu não gostei muito, parecia uma vadia. As duas vezes eu fiz pra agradar a ele. Ficava preocupada porque eles, na certa, iriam pensar mal de mim. Mas como homem é safado mesmo, eles logo se aproveitaram.  Assim que acontecia... O senhor sabe, o “encontro”... lá em casa, escondido, o Jair dava um jeito de tirar o homem da fazenda, de modo que eles não podiam nem ficar pelas redondezas. Assim, eles são pais e nem sabem. Um se chamava Pedro o outro era Juvenal.
Por isso os dois não parecem, nadinha com ele, nem pode né? Ainda bem que puxaram ao meu feitio, assim ninguém desconfia.  Mas parece que ele ficou doente por causa disso, pela situação que ele mesmo criou e não confia em mim, como se eu tivesse deitado com eles por que eu quis. Mas eu só aceitei tudo porque estava com pena dele e queria agradar. Até tive muita vergonha na hora. Não tinha nem coragem de abrir os olhos e olhar a cara de um homem que não era meu marido em cima de mim. Eu só consegui porque eu fechei os olhos pra fingir que era ele. Acho que ele pensa que se eu fiz quando ele pediu, posso fazer de novo por minha vontade. Mas não sabe o que eu passei para suportar tudo por causa dele, o infeliz. Pior foi o medo do arrependimento. A gente nunca falou sobre o assunto e ele nunca quis saber.
Então eu compreendi o ciúme doentio que, eu percebi, dominava o Jair e fiquei com pena dele também. “O orgulho, às vezes, faz a gente fazer cada besteira! Essa do Jair heim! Caramba! Pobre coitado! Deve ser duro entregar a própria mulher para outro só para manter a imagem. Vai carregar a cruz para o resto da vida”  – pensei.
Como ele já devia estar voltando, eu saí de perto da Joana – é o nome dela – e fui ao banheiro. Quando eu voltei, ele já estava lá, parece que nem desconfiou que ela desabafou e que eu sabia dos motivos dele. Depois a viagem foi mais tranqüila até o destino deles. Ele me agradeceu muito e ela também, em especial. Quando se despediram, me deu um sorriso e um olhar de cumplicidade.
- Não tem por que. O prazer foi meu pela companhia. Boa sorte e saúde pros meninos – eu disse.
            Ainda a ouvi falar para ele: “O homem foi tão gentil Jair... convida ele pra ir almoçar um dia lá em casa”. Será que ela estava pensando em ter outro filho? - Pensei.
Acenei para eles e segui minha viagem. Precisava ficar um pouco sozinho.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

CAUSOS DA BOLEIA - SEJA PACIENTE NA ESTRADA PARA NÃO SER PACIENTE NO HOSPITAL



CAUSOS DA BOLEIA - SEJA PACIENTE NA ESTRADA PARA NÃO SER PACIENTE NO HOSPITAL

Eu estava rodando numa estrada da região dos lagos no Rio de Janeiro, numa tarde bem clara, ensolarada, época de férias nas escolas e fiquei um bom tempo atrás de um carro. Os ocupantes do veículo eram todos jovens e iam cantando alto, fazendo uma terrível zoeira, caçoando de quem estivesse na beira da estrada. Estavam, pelos trajes, indo à praia. Num determinado momento, eles me descobriram atrás deles. Então, passei a ser o alvo das brincadeiras. Faziam caretas e sinalizavam com a intenção de dizer que eles estavam se divertido e eu estava trabalhando. Uma das garotas fazia gestos dizendo que estava com pena de mim.
Como eu não me manifestava, só sorria, a brincadeira ficou mais pesada. Um dos rapazes arriou a bermuda e ficou mostrando a bunda e todos caíram na gargalhada. Eu balancei a cabeça indicando reprovação. O outro rapaz que estava no banco traseiro fez o mesmo e, então, ficaram as duas bundas rebolando. A garota que fez sinal indicando pena de mim estava no meio dos dois e ficou dando tapinhas em cada uma das duplas de nádegas. Depois, ela também entrou na brincadeira e arriou o biquíni e ficou mostrando a bundinha para mim e rebolando. Eu fiz sinal para ela dizendo que estava bem melhor, não tinha gostado da bunda dos rapazes. Um deles ficou alisando as nádegas dela e fazia sinal com os dedos me apontando e dizendo que não era para mim, era dele. Achei engraçado, estava ficando divertido.
Depois a brincadeira ficou mais pesada, os rapazes ficaram balançando os pênis para mim. Aí eu entrei na brincadeira e fiz sinal para a garota com a intenção de dizer que não estava mais gostando, que preferia a bundinha dela. Para minha surpresa, a garota - vou chamar de Glorinha porque me lembrei de uma personagem de um romance do Nelson Rodrigues -  puxou para o lado a parte de cima do biquíni, mostrando-me os seios. Ficou tentando balançá-los. Tentando, porque eram pequenos e firmes. Eu fiz sinal afirmativo, e mandei um beijo. Então, ela sorriu e ficou brincando assim por uns momentos, depois enjoou, sentou-se e deu até logo.
Eu me arrependi, afinal era quase uma menina. O motorista acelerou o carro e dispararam na minha frente e eu fiquei pensando na intimidade que os jovens têm. Estavam ali três rapazes e duas moças que não tinham vergonha de exibirem suas partes íntimas uns para os outros, numa liberdade total. Será que os pais daquelas duas moças sabiam dessa desinibição de suas filhas? É por isso que volta e meia a gente vê nos noticiários da televisão e nos programas de reportagem os casos de adolescentes que já são mães e a quantidade enorme de abortos clandestinos que se faz por esse Brasil a fora. Um descuido qualquer leva à gravidez da qual elas acabam se livrando de alguma forma, sem os pais saberem, ou por aborto clandestino ou mediante uso de medicamento abortivo que é vendido ilegalmente até pela internet.
Lembrei-me que naquele mesmo dia eu tinha lido num jornal a respeito de um recém-nascido que foi encontrado vivo depois de três horas soterrado num matagal numa cidade de Minas Gerais. Segundo a Polícia, ele foi enterrado vivo pelos pais, e a mãe, de 17 anos, disse à família que o bebê havia nascido morto, mas os parentes fizeram uma busca e o encontraram. O pai tem 20 anos e foi preso.
Liguei o rádio e continuei na minha monotonia. Parei para fazer xixi na estrada mesmo e fiquei sentado um tempo vendo um passarinho cantar empoleirado numa cerca de arame farpado. Quando ele voou, eu também segui o meu caminho.
De repente,  quem eu vejo na minha frente? Eles novamente! Tinham se adiantado para terem tempo de aprontar. Agora estavam as duas garotas no banco de trás, a Glorinha mostrou a  bunda pintada cheia de círculos como se fosse um alvo e o rapaz fazendo sinal que na mosca – não preciso dizer onde era - eu não acertava. A outra garota - essa tinha os seios maiores - escreveu na barriga: cuidado com as lombadas, com uma seta apontando para os seios. Em seguida a que eu chamei de Glorinha escreveu na barriga: curvas sinuosas à esquerda e à direita. Depois foi o rapaz que escreveu na barriga: cuidado, animais na pista, com uma seta apontando para você sabe o que. A outra garota apareceu de novo, desta vez estava escrito: cuidado, pista escorregadia à frente, com uma seta apontando para baixo. A Glorinha de novo: pista interditada, uma seta para baixo. Depois a outra garota escreveu sobre os seios: mantenha o farol baixo.
Naquela altura, eu me limitava a sorrir. Por que as pessoas usam as partes íntimas para fazer piada? Talvez por ser contra a moral e os bons costumes a exposição delas em público, daí o sentido de proibido. Se eles escrevessem num papel não ia ter o mesmo valor e que é o proibido dá mais prazer, justamente pelo risco, por não ser usual, nesse caso, mostrar as partes íntimas.
As duas garotas me mostrando as respectivas bundas onde escreveram acesso proibido, somente pessoal credenciado. Tive que rir, eles têm muita imaginação. Fiz sinal convidando a Glorinha para vir para o meu caminhão e ela disse que não – escreveu no peito: mamãe não deixa.
Pior que eles não perceberam uma cabine da Polícia Rodoviária, cujos patrulheiros também viram o bundalelê e foram atrás deles. Eu diminui a marcha para ver o que iria acontecer. Quando eu passei por eles, estavam os cinco bem comportados ouvindo o sermão do guarda que examinava os documentos. Buzinei e dei adeus.
Eles devem ter visto no para-choque traseiro do meu caminhão a frase que eu escrevi: PRA SER CAMINHONEIRO E USAR SUTIÃ PRECISA TER PEITO.
 

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A HERDEIRA


A HERDEIRA

Teobaldo entrou no ônibus o galo ainda nem tinha cantado. Pelas estradas empoeiradas do interior de Minas Gerais o veículo ia circulando e sacolejando pegando uma pessoa aqui, outra meia hora mais distante, com o farol paralisando na estrada os coelhos atrasados e espantando os bacuraus que descansavam nos moirões das cercas.
Saiu da cidadezinha de Pamonhas onde trabalhava como enfermeiro no único hospital com destino ao Rio de janeiro, onde tencionava encontrar a irmã de uma senhora muito rica que havia falecido. No leito de enferma a ele confidenciara algumas informações de sua vida pregressa que, na certa, iriam lhe render uma boa soma. Quem sabe poderia  deixar de trabalhar naquela função que já não lhe agradava, por passar grande parte do expediente ouvindo gemidos, lamentações, reclamações, além do contato com toda sorte de doenças contagiosas que passaram há algum tempo constituir ameaça para quem corre o risco de se contaminar ao menor descuido. Sonhava, então, poder montar um negócio próprio, e aquela parecia sua grande oportunidade, se encontrasse a herdeira da falecida.
Encontrar o seu objetivo foi muito mais fácil do que ele previa. Logo que  chegou ao Rio de janeiro, foi ao Correio central para saber como poderia encontrar uma senhora da qual ele só sabia o nome e parece que foi Deus que o direcionou para lá naquela hora. O rapaz muito atencioso que estava na recepção, quando soube do interesse do Teobaldo, pediu para aguardar um minuto. Entrou numa saleta e, pela porta entreaberta, Teobaldo o viu cochichar alguma coisa com outro que tinha um computador sobre a mesa e percebeu que o homem fez cara de satisfeito. Quando retornou, o funcionário lhe informou que o endereço poderia ser fornecido mediante o pagamento de uma taxa, paga somente em dinheiro, e que para aquele tipo de serviço não poderiam lhe dar recibo. Disse-lhe para por o dinheiro dentro de uma folha de papel dobrada, na qual deveria escrever o nome da pessoa que estava procurando. Não demorou, foi-lhe fornecido, segundo o rapaz, mediante acesso à internet - que se tornou para Teobaldo, a partir de então, a maior invenção da atualidade -, o endereço completo  da dona Marieta do Perpétuo Socorro de Oliveira. Na certa valeria a pena o investimento, apesar de ter desembolsado quase a metade do seu salário.
De posse da valiosa informação, Teobaldo resolveu aproveitar aquela primeira noite na Cidade Maravilhosa. Conheceu o mar, caminhou descalço na areia e deu uma volta na avenida da beira da praia. Depois foi procurar um hotelzinho barato para passar a noite. Não podia gastar muito, pois não tinha certeza do sucesso do seu empreendimento. Na manhã seguinte iria começar a procurar a irmã da rica falecida.
Acordou bem disposto, depois de um sono tranquilo, pois a sorte parecia estar trabalhando a seu favor, considerando que encontrou de imediato, quando chegou ao Rio de Janeiro, o endereço da senhora que estava procurando, tendo sido, inclusive, recebido de braços abertos pelo Cristo Redentor, que parecia estar sorrindo para ele. Logo localizou o endereço no guia de ruas da cidade. Pediu orientação a um jornaleiro a respeito de que ônibus poderia pegar para chegar ao local, na parte antiga do centro da cidade. De posse da informação, Teobaldo foi logo conhecer o ambiente, com a curiosidade atiçando os seus sentidos.
Descobriu que a dona Marieta morava num sobradinho em estilo antigo, com janelas para a rua. Esse tipo de construção é utilizada atualmente por pessoas de classe menos abastada, situação que contribuiu para aumentar a perspectiva de sucesso do objetivo do Teobaldo, já que entendia, seria fácil aproximar-se dos moradores do local, e, com sua personalidade muito comunicativa, logo se ambientaria.
Mais uma vez a sorte trabalhou a seu favor. Soube no botequim aonde foi tomar um cafezinho, que estavam alugando um conjugado bem em frente à casa onde morava a irmã da falecida. Então, procurou resolver os trâmites legais necessários para, o mais cedo possível, fazer dele sua moradia. Não demorou muito, estava instalado na nova residência, um ponto estratégico para suas pesquisas.
Começou espalhando pelos arredores: no armazém, na padaria, na farmácia principalmente, que era enfermeiro dos bons, veio do interior tentar a sorte no Rio de Janeiro e estava procurando emprego, tudo para chamar a atenção da dona Marieta.
Até que, conversa vai, conversa vem, com uma vizinha, soube que a dona Marieta era muito doente e que tinha uma filha de pouco mais de vinte anos. “Presente dos céus pra ela” – disse a vizinha. Para o Teobaldo, naquela altura, era mais do que ele estava pretendendo. Então,  foi para casa aquela noite pensando em alterar o seu plano, a fim de se adequar à novidade, que poderia ser mais conveniente e lucrativa. Além disso, já que  a sorte estava de mãos dadas com ele, ainda poderia ganhar uma mulher, quem sabe? Em lugar de, como estava antes pretendendo, receber um gordo agrado pela valiosa informação, ele começou a pensar que o destino tinha lhe reservado mais essa possibilidade, dando uma sobrinha para a dona Maria. Ele poderia abocanhar parte da fortuna, se conseguisse conquistar e casar-se com a moça que, não tinha dúvida, mínima que fosse, era linda, pois a sorte, depois de tudo, não ia falhar nesse particular. Assim, além de usufruir da herança, ele ganharia uma bela mulher para gozar a vida da melhor maneira que um homem merece.
Certa noite, por volta das nove horas, ele estava deitado no sofá da sala, assistindo a um programa de televisão e, no momento em que um cochilo lhe permitia o início de um sonho, justamente a respeito do casamento com a sobrinha da falecida dona Maria, ouviu três leves batidas na porta. Levantou-se, bocejando, e foi atender. Deparou-se com uma moça gorda, ostentando uma verruga acima do lábio superior, que, demonstrando bastante aflição, perguntou se ele poderia socorrê-la. Disse que morava na casa em frente e que uma vizinha comentou que ele era enfermeiro e ela estava precisando muito da ajuda dele, pois a sua mãe estava passando mal e naquela hora da noite era difícil o deslocamento até o hospital.
Teobaldo logo desconfiou que a sorte estivesse brincando com ele e, certamente não era o que ele estava imaginando. Assim, acompanhou a jovem, que disse se chamar Ana Maria, até o apartamento dela. Ele logo detectou o problema e pediu que mandasse pedir à farmácia o medicamento necessário a restabelecer a dona Marieta - um simples caso de pressão alta. Ele agora já tinha confirmado que a sorte lhe pregou uma peça compensando a possibilidade de boa vida com a feiura da geografia de carne da Ana Maria. Ele ia ter que pensar novamente no assunto. Resolvida a urgência, descansada e livre do mal estar que lhe afligia a dona Marieta logo adormeceu.
Então, a moça, muito agradecida, perguntou ao Teobaldo, o preço do seu valioso serviço, ao que ele prontamente retrucou, dizendo que não lhe custava nada prestar socorro aos vizinhos naquilo que lhe fosse possível, até porque a qualquer hora poderia ser ele quem necessitasse de ajuda. Ademais, doía-lhe o coração ver o sofrimento de tão distinta senhora e a aflição e preocupação da dedicada filha.
Ela lhe disse, então, que ele não sairia dali sem antes tomar um cafezinho ou uma xícara de chá com bolo, o que o Teobaldo não teve jeito de recusar. Quando estavam lanchando, falaram qualquer coisa a respeito da doença da mãe dela, o que Teobaldo logo aproveitou para tecer recomendações no sentido de deixá-la descansar. Ele não queria que ela percebesse que não conseguia desviar os olhos daquela maldita verruga que brotara a noroeste do seu lábio superior, adornada, ainda, por três pelinhos ridículos. “Coitada da moça!” -  Ele pensava.
Teobaldo levantou-se apressado da cadeira, alegando que precisava dormir cedo, caminhou até a porta, e Ana Maria, depois de agradecer muito, perguntou se poderia lhe dar um beijo. Ele ficou sem jeito de negar e ofereceu a face para a enrubescida moça que, para alcançar o rosto do Teobaldo, teve que esticar os pés e roçou os seios fartos no seu braço, de modo que ambos, sem jeito, desejaram-se reciprocamente um apressado boa noite.
Chegando ao pé da escada de acesso à rua, Teobaldo, dirigindo-se a Ana Maria, disse que, se ela quisesse, viria no dia seguinte fazer uma visitinha para saber se a dona Marieta estava passando bem, o que fez abrir um sorriso no rosto da moça, demonstrando satisfação com a proposta.
- Com muito gosto a minha mãe vai recebê-lo, vou contar-lhe assim que ela acordar.
- Então, até amanhã! Boa noite!
No dia seguinte, com a cabeça mais fresca depois de uma boa noite de sono, Teobaldo despachou a indecisão sob o argumento de que o necessário a dar cabo do que lhe impunha mais reticências no empreendimento - o corpo da Ana Maria - poderia facilmente ser melhorado, graças ao dinheiro que ela e a mãe herdariam. Assim, partiu para a prometida visita, lembrando-se, antes, de passar no florista para comprar dois arranjos de belas rosas com, o intuito de agradar os objetos de sua cobiça.

Surpreendeu-se pela recepção calorosa com a qual foi agraciado. Não esperava tanto, mas lhe serviu para ganhar a certeza que não teria dificuldades em conquistar a confiança das duas, naquela altura, da Ana Maria, não só a confiança.
Após cumprir as lisonjas de praxe correspondentes às suas intenções, Teobaldo, no intuito de apresentar o seu currículo, revelou logo que era de Pamonhas e tinha vindo para o Rio de Janeiro com e aprender mais. Estava pensando em fazer um curso de atualização e, depois, de especialização, mas só depois de conseguir o desejado emprego.
- Mas que coincidência! - Disse a senhora - Eu também morei lá. O destino sabe enredar bem as tramas, não é? O senhor ainda deveria ser garoto quando eu briguei com minha única irmã e vim pro Rio de Janeiro com meu marido, que foi a causa do nosso desentendimento. Eu nunca mais a procurei. Nem sei como ela anda, se está viva ou se ainda está morando por lá. Só restamos nós duas da família inteira. Ela também não sabe de mim. Às vezes eu tenho vontade de procurá-la, principalmente depois que meu marido morreu. Fico pensando, de vez em quando, se não seria melhor a gente se perdoar mutuamente e reconstituir a família.  Agora que o senhor me disse que é de lá, me deu uma grande tristeza e percebi que estou com saudade da minha irmã. Aliás, talvez o senhor até a conheça. Ela se chama Maria do Perpétuo Socorro Azevedo.
- A dona Maria do Socorro!? - Fingiu surpresa o Teobaldo - Claro que eu conheço! Ela estava internada no hospital quando eu saí de lá. Conversei muito com ela durante o seu sofrimento. Estava muito doente coitada... É uma boa senhora, uma santa. Mas não precisa me chamar de senhor, dona Marieta, afinal eu poderia ser seu filho.
Desculpe-me, meu filho, fui educada assim, mas prometo que vou fazer o possível pra não lhe tratar de senhor. De filho pode?
- Claro dona Marieta, se a senhora prefere assim.
Depois de passar em companhia das duas durante boa parte da manhã, Teobaldo alegou outros afazeres e se despediu contente da vida, o seu plano estava mais azeitado do que esperava.
- Ah, meu filho, que bom! Foi Deus quem mandou você aqui, tenho certeza. Eu quero ir até lá pra falar com ela. Você me leva?
            - Pode deixar dona Marieta. Eu vou mandar uma carta pra um amigo meu que trabalha lá no hospital pra saber se ela está melhor, se pode receber visitas, essas coisas. Depois eu prometo que nós vamos até lá.
A partir daquele dia, Teobaldo passou a frequentar a casa da dona Marieta amiúde e, ao final de duas semanas, ele e a Ana Maria já estavam namorando. Apesar do sacrifício, ele sabia se arranjar bem, evitando as aproximações mais íntimas da namorada, utilizando-se da desculpa que não ficava bem esse tipo de coisa na frente da futura sogra dona Marieta. Dessa maneira, ele pretendia levar o relacionamento até que dispusessem do dinheiro da herança para, então, dar uma melhorada no corpo e visual da Ana Maria.
Mas a dona Marieta, com a nova situação da filha, noiva de um rapaz educado e direito, enfermeiro diplomado, começou a se recuperar da doença, segundo ela graças aos cuidados do genro. Andava até comentando a novidade aos domingos, à saída da missa, feliz da vida: “Tanto eu pedi a Deus,  que minha filha encontrou um rapaz bom desse jeito, um amor de menino. Ela já está com vinte e três anos e, que eu saiba, nunca sequer um beijo na boca tinha dado. Nem sabia o que era namorar, apesar de todas as promessas que eu já fiz, de tantas velas que acendi pra Santo Antônio. Prometi até subir de joelhos a escadaria da Penha e apelei até pra despacho em encruzilhada. Mas agora eu vejo que nada foi em vão, minhas preces foram atendidas e o esforço recompensado, melhor até do que eu esperava. Brevemente ela estará casada e eu ficarei torcendo pra virem logo os netinhos, aí eu poderei descansar sossegada. A minha santinha, Nossa Senhora da Penha, vai entender que eu não tenho mais saúde pra subir aquelas escadas todas, muito menos de joelhos. Em troca, vou acender três velas do tamanho da minha filha, até queimar tudo, uma de cada vez.
O Teobaldo saía todos os dias pela manhã para visitar os hospitais e clínicas da região, fingindo que estava procurando emprego, deixando, assim, orgulhosa, a feliz noivinha.
Até que um dia, pensando em casa à noite, resolveu que era hora de por em prática o resto do plano. Concluiu que não poderia deixar passar muito tempo, pois os trâmites legais para a transmissão da herança poderiam sofrer complicações, principalmente naquele fim de mundo. Assim, no dia seguinte bem cedo, chegou à casa da noiva com a seguinte novidade:
- Aninha, querida, ontem recebi uma notícia lá de Pamonhas que não é nada boa sobre a sua tia.
- A irmã da minha mãe?!
- Claro! Só pode ser irmã dela, ora – arrependeu-se do tom, mas a Ana aparentemente não se incomodou.
- Ai, meu Deus! Ela piorou? Logo hoje que a minha mãe acordou meio enjoadinha
- Não. Ela morreu.
- Puxa vida! Minha mãe estava até fazendo planos pra nós irmos, os três, lá a sua cidade pra reencontrá-la, fazer as pazes e reconstituir a família...
- Então, antes de chamá-la, vá até a cozinha e prepara um copo de água com açúcar. Vai ser bom pra ela se acalmar.
- Com açúcar não, vou fazer com adoçante, por causa da diabetes.
A Ana Maria levou a mãe para a sala e, com a ajuda do solícito genro, acomodou-a sentadinha no sofá e falou:
- Mãe, o Teo trouxe uma notícia sobre a sua irmã, minha tia. Não é boa. Toma este copo d’água com adoçante pra  senhora se acalmar.
A velha senhora tremia tanto que quando pegou o copo quase derramou todo o conteúdo no chão. A Ana Maria segurou o copo junto com ela para ajudá-la.
- Agora fala, Teo. Você que tem experiência nesses assuntos.
- A sua irmã faleceu há alguns dias, dona Marieta. Já foi até enterrada, a santa. Pior que, como ninguém sabia que tinha parentes vivos, a justiça já está tomando as providências pra dividir os bens e o patrimônio, o que não é pouco, pelo que sei, com instituições de caridade. Pior que eu conheço bem aquele sujeitinho, o espertalhão do Prefeito, o Zé da Padaria, malandro que nem ele só, naturalmente está pensando em dar um jeitinho de abocanhar uma boa parte pra engrossar os seus bens pessoais.
- Ela era rica? – Perguntou a Ana Maria.
- Rica é pouco, devia ser milionária. Foi muita sorte a dona Gertrudes, a enfermeira chefe do hospital, ter ligado pro meu telefone celular dando a notícia. Muita sorte mesmo, porque eu, na minha profissão de enfermeiro, passei muitas horas sem dormir, sem poder tirar um cochilo no meu plantão, à cabeceira da santa senhora sua tia dona Maria. Deus a tenha, pobre coitada! Sem pai nem mãe, um parente sequer, prum alento naquelas horas difíceis da doença que a consumia. Vejam bem, eu sei que vocês não sabiam da situação dela. Foi numa hora dessas ao pé da cama, na enfermaria, que ela me contou a respeito de uma irmã que teria vindo pro Rio de Janeiro e nunca mais deu notícias. Disse que agora eu sei, dona Marieta, a senhora, sua irmã, teria brigado com ela, ainda nova, por causa do seu falecido marido. Ela me contou que a senhora tinha muito ciúme dele, e achava que eles flertavam.  Disse, desculpe eu falar,  que, na verdade, ele era muito sem vergonha e deu em cima dela algumas vezes, sim. Sempre que tinha oportunidade tentava se esfregar nela. Confessou que, às vezes, quase cedia, dependendo da época, mas trair a irmã dela isso não. Ela até fez o sinal da cruz. Disse também que lhe perdoava, apesar de a senhora tê-la acusado disso e, por isso, veio embora pro Rio, com a Aninha ainda pequenininha, e não lhe deu o endereço. Depois, ela se casou com um fazendeiro muito rico lá de Pamonhas, que já ia além da meia idade,  embora ela também já não fosse muito jovem. O marido morreu de infarto depois de sete anos de casados. Sem ninguém, viúva, viveu lá, entre a missa e os bordados. Não tinha com que gastar todo o dinheiro que só ficava rendendo no banco. Foi muita coincidência eu encontrar vocês nesta cidade tão grande. Realmente uma sorte, justamente após a passagem dela e antes que aproveitadores espertalhões fizessem uso da dinheirama da ve... pobre senhora. Agora ele vai ter o destino certo e bem merecido, enfeitar a vida da minha adorada e linda noivinha. Em boa hora ela me contou essa história. Deus a tenha! Eu só não revelei isso tudo antes, porque ela não mencionou que desejava encontrar a sua irmã. Até que me deu uma vontade muito grande de contar quando a senhora, dona Marieta, me falou que pensava em procurá-la. Se eu soubesse que ela estava à morte, na certa eu teria revelado isso tudo que ela me contou, em seu próprio interesse.

Mas o Teobaldo, apesar da dinheirama que ele como futuro marido pretendia herdar, às vezes fraquejava, principalmente quando tinha que ir para o sacrifício e beijar a boca da Ana Maria. Os três pelinhos da verruga preta que ela tinha a noroeste, junto ao lábio superior, faziam cócegas no seu nariz, além de ter que elogiar e alisar todos aqueles noventa quilos de banha. Apesar do seu tamanho mais para meia entrada, dizia que  gostava era de mulher assim, avantajada, macia. A boa-vida que ele sonhava valia o sacrifício. Fechava os olhos e imaginava um mulherão daqueles que saiam peladas nas revistas masculinas e relaxava. Ainda bem que ela dizia que sexo mesmo, na cama, só como marido e mulher, depois de casados, antes era pecado. Ela ainda pedia a confirmação do Teobaldo: “Não é meu amor? Eu sei que o meu pãozinho de queijo está sequinho pra ter a mulherzinha dele inteirinha, nuazinha, mas vai ter que esperar mais um pouquinho, afinal ela tinha se preservado até agora, então apesar da tentação, eles poderiam aguentar. Só não quero que vá se meter com aquelas mulheres lá da rua Pinto de Azevedo, hein!”
Tudo aconteceu como ele havia planejado, dona Marieta e Ana Maria ficaram milionárias. O dia do casamento estava se aproximando e o Teobaldo compensava o desgosto do lado sexual pensando no que o dinheiro iria lhe proporcionar, mercedes conversível, na Vieira Souto, um monte de mulheres dando em cima, samba, cerveja, mulher, viagens para a Europa , Paris, Roma, euros, mulheres e mais mulheres, dólares, Nova York, dólares, euros e mulheres... Então, ele não se incomodava mais e torcia para o tempo passar o mais rápido possível.
Finalmente chegou o grande dia, a festa do casamento varou a noite. Quando o casal de pombinhos foi para o hotel, já era alta madrugada. Iriam viajar para Búzios logo pela manhã em lua de mel. O Teobaldo estava doido para dormir, cheio de whisky, para lá de Bagdá, mas a Aninha estava para lá é de arretada, depois de longa espera, depois de resistir a muitas fraquejadas, ela estava mais a fim é de conhecer o tal de orgasmo e, finalmente, iria ser mulher com todas as letras, o seu maridinho iria mandar o hímen para o espaço. Assim, não teve jeito, o Teobaldo teve que romper a fita inaugural das partes sexuais da Aninha naquela noite mesmo. Ela foi logo tirando a roupa e mostrou todas as suas dobras e protuberâncias e, faminta, quase esmagou o Teobaldo que, sem argumentos, mas sedado pelo álcool, caiu dentro e, surpreendentemente, não quis mais parar. Encontrou um prazer inesperado. O porre foi embora como por encanto e, depois, lúcido e esgotado, arrependeu-se de ter esperado tanto, de não ter forçado a barra. Ele descobriu que a beleza, às vezes, não está na cara, como a da Ana Maria, e apaixonou-se perdidamente pela rica esposa.