segunda-feira, 18 de abril de 2011

QUEM ANDA NA LINHA, O TREM PASSA POR CIMA


QUEM ANDA NA LINHA, O TREM PASSA POR CIMA
Hoje eu tive que ir à agência da Secretaria da Receita Federal lá em Vila Isabel para solicitar a emissão de um DARF referente ao acordo que fiz para pagar o meu débito de imposto de renda. É isso mesmo, eu não paguei as cotas do ano passado.
Embora eu esteja aposentado, não posso deixar de trabalhar para sustentar a família - nem comprei pijama - porque o benefício (este é o nome da merreca que a gente recebe, como se fosse um favor do governo e nós, os aposentados, tivéssemos sido beneficiados com alguma coisa) é irrisório.
Eu sou um dos “vagabundos”, apelido depreciativo utilizado por uma pessoa – não gosto nem de mencionar o nome do sujeito - que exercia o cargo de presidente da República resolveu atribuir a mim e a outros cidadãos que trabalharam durante trinta e cinco anos ou mais, ininterruptos, no meu caso, contribuindo para a previdência e se aposentaram aos cinquenta e três anos. Fazendo-se as contas: 53-35= 18, constata-se que comecei a trabalhar aos dezoito anos, pois é, será que você sabe quem (como diria Harry Potter), que me chamou de vagabundo começou a trabalhar tão cedo? Será que ele contribuiu durante trinta e cinco anos para uma instituição qualquer para receber o seu benefício pela aposentadoria? Ouvi dizer que tem mais de uma, sem contar a renda vitalícia por ter sido presidente. Duvido muito!
Eu também estudei, não sou PhD – apesar de que aqui no Brasil o título não serve para nada, a não ser contar pontos em concurso público - em coisa nenhuma, mas tenho três diplomas em nível superior, graças ao meu esforço e dedicação. Um dos ofícios cujo título diz que sou apto é cuidar da saúde mental de pessoas que sofrem por conta de decisões de outros que se aproveitam do poder para executar atos perversos e se julgar no direito de dizer o que bem entendem em declarações infelizes, que só podem traduzir o estado interior de quem as profere.
Apesar da alcunha de “vagabundo”, eu me aposentei, mas tenho que continuar trabalhando até morrer porque aquela pessoa resolveu reduzir o meu benefício porque ainda era muito novo para me aposentar. Teria que trabalhar mais doze anos e correr o risco de um igual alterar novamente a legislação e ser prejudicado mais uma vez. Com medo de arriscar, resolvi aceitar a merreca, ajuda de custo, e continuar trabalhando para complementar a renda ainda insuficiente.
Eu era muito novo para me aposentar, independentemente do tempo que trabalhei, entretanto, volta e meia eu tenho que comprovar que ainda não morri, a fim de impedir que a minha futura viúva fique mamando nas tetas da previdência depois que eu estiver fora do jogo. Pior é que ouvi e li, como foi divulgado na imprensa, me indignei mais e fez subir o nível de desprezo que tenho por aquele indivíduo, que a filha dele era empregada fantasma do Senado, não porque fosse muito apegada ao local de trabalho, morreu e continuou a frequentar o ambiente todos os dias, como dizem os crentes e aconteceu numa empresa em que fui empregado; ela era fantasma porque nunca apareceu para trabalhar, ninguém viu. Só foi exonerada (será que foi mesmo?) porque foi divulgado, apesar de que o salário dela era só quatro vezes mais que o meu benefício.
O meu grande medo é que ele volte ao poder, eleito pelo voto dos incautos, e resolva terminar o serviço, mande juntar todos os velhos vagabundos, leve-nos para passear num comboio e depois extermine-nos para diminuir de uma vez o déficit da previdência.
Bem que o Presidente Lula, já que ele apregoa um governo para o povo, ao contrário do seu antecessor que privilegiava os mais abastados, poderia liberar os aposentados de pagar o imposto sobre a renda ou pelo menos corrigir o mal que foi feito penalizando uma turma de trabalhadores, restituindo-nos a renda justa para a qual contribuímos segundo a legislação covardemente alterada.
Eu resolvi que iria a pé até a agência da Receita para espairecer, já que iria tentar resolver um problema muito desagradável. Durante a caminhada encontrei pessoas desconhecidas que pareciam felizes e outras nem tanto. Passei por algumas pessoas que vivem na rua e provavelmente não têm que pagar imposto de renda como eu, quem sabe “vagabundos” iguais a mim que não tiveram a sorte de poder continuar trabalhando; estudantes alegres e despreocupados, senhoras que iam à feira e outras passeando com cachorro para sujar as calçadas.
Na rua General Canabarro, no Maracanã, presenciei mais uma vez o crime que de algum tempo para cá vem sendo praticado em toda a região da Tijuca com a matança de árvores em prejuízo do ar, com a intenção obvia de não atrapalhar os fios da Light, a companhia de energia elétrica que atua na Cidade, pior que, por incrível que pareça, o serviço criminoso é executado pela Prefeitura, que, agindo assim, foge à obrigação de impedir que o patrimônio público seja depredado, ao contrário, ela mesma  vilipendia o nosso interesse em lugar de mandar que a Light cuide dos seus fios que, cá entre nós, enfeia muito a Cidade. São feito zumbis que deveriam ser enterrados como nas metrópoles evoluídas, muitas delas sem a beleza privilegiada que a natureza concedeu ao Rio de Janeiro.
Atravessei uma rua que ganhou o nome de uma pessoa de quem nunca ouvi falar, Morales de Los Rios. Quem é ou foi esse cara? Fiquei curioso. O que será que ele fez para merecer a homenagem. “Quando chegar a casa vou pesquisar no Google.” – pensei. A internet, apesar de criticada por muitos, dá um baita empurrão no conhecimento e ajuda muito na pesquisa de qualquer assunto, porque se alguém publica alguma coisa que saiba sobre algo, até uma futilidade qualquer, cai na rede e pronto, todos em qualquer parte do mundo podem saber. Aliás, se não fosse a facilidade que ela proporciona, eu fatalmente perderia o interesse porque não teria a menor ideia de onde e por onde começar a pesquisar sobre o Morales.
Como eu esperava, ele está lá. Morales de Los Rios foi um arquiteto espanhol que viveu de 1858 a 1928. Radicou-se no Brasil e andou por Salvador, Recife, Maceió e Rio de Janeiro. Projetou diversos edifícios residenciais e comerciais, desenvolveu projetos de urbanização e saneamento e foi professor da Escola nacional de Belas Artes, da qual também foi projetista. Enfim, acho que mereceu a homenagem para orgulho dos seus descendentes, se deixou. Isso eu não pesquisei no Google. Como aquela, devem ter outras ruas pela cidade nomeadas em homenagem a não famosos que certamente poderão tornar-se conhecidos, bastam algumas tecladas. Até eu estou lá, quem ficar curioso é só pesquisar.
Como fui a pé, cheguei à Agência da Receita Federal dez minutos depois do horário agendado no dia anterior pelo telefone (10:10 h). Não me preocupei muito porque só estava atrasado dez minutos e no mês passado eu estive no mesmo local a fim de solicitar a emissão do DARF que eu não recebi e esperei mais de uma hora para ser atendido, embora tivesse cumprido o mesmo procedimento. Mas para não dar na vista, sentei-me logo numa cadeira no salão de espera e fiquei uns cinco minutos observando se a minha senha iria ser mostrada no monitor que lá existe com essa finalidade, indicando a mesa à qual eu teria que me dirigir. Como a senha não foi mostrada, fui até ao balcão da recepção e apresentei a senha cujas letras não sei o significado à atendente. Ela me disse que a senha ACL2 já havia sido chamada. É normal acontecer isso, quando a gente chega cedo o atendimento atrasa, se, ao contrário a gente se atrasa um pouquinho, o horário é seguido à risca.
“O que eu faço?” – perguntei. “Aguarde um pouquinho ao lado que eu vou gerar outra senha” – ela me disse. Ainda bem. Eu já estava pensando que iria ter que começar tudo de novo: ligar para 146, ouvir as instruções gravadas até chegar ao código numérico correspondente ao agendamento do compromisso (eu nunca lembro qual o número certo, por isso não posso antecipar), ficar esperando o tempo anunciado de espera para atendimento e finalmente marcar o agendamento.
A atendente me deu um papel com um novo código ATZ17, que eu logo decifrei como atrasado dezessete minutos. Assim, acreditei que a demora poderia ser de mais de uma hora, sorte que eu tinha levado um livro, contando justamente que precisaria me distrair, com base na experiência do mês anterior. Sentei-me resignado, pelo menos iria resolver o problema no mesmo dia, e comecei a ler. Logo o sinal sonoro emitido pelo sistema anunciando a senha que estava sendo chamada, indicada num monitor, me chamou a atenção e eu verifiquei que era a minha. Tinha que me dirigir à mesa vinte. Entrei num salão grande, cheio de mesas e vi que era a última, bem no fundo da sala, próximo à entrada para a cozinha, como indicava uma seta. O funcionário que iria me atender estava comendo biscoitos de polvilho que retirava aos punhados de um saquinho sobre a mesa. Disse-lhe o motivo pelo qual fui até ali e apresentei os documentos solicitados. Ele falou que eu teria que aguardar um pouco porque o sistema tinha caído e continuou a comer os biscoitos. Não me ofereceu, apesar de que eu não aceitaria mesmo se estivesse com muita fome, porque a mão que os dedos que ele enfiava na boca eram os mesmos que introduzia no saco para pegar mais biscoitos. “Até que enfim as coisas vão começar a funcionar normalmente.” – pensei - Não era possível o prolongamento do desenrolar atípico, principalmente por se tratar de um órgão público. Depois de algumas tentativas, sem falar nada, o rapaz digitou alguns dados e me entregou o recibo com prazo para pagamento até o final do mês, disse que estava resolvido e se era só aquilo que eu queria. Eu agradeci e me retirei incrédulo. Foi verdade, apesar do meu atraso fui atendido em tempo recorde. Eu pensei: “Por essa e outras é que devem ter criado o dito popular: quem anda na linha, o trem passa por cima.”

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